Missões

Meruri celebra 120 anos de presença salesiana entre os Boe-Bororo

Euclides Fernandes - Missão Salesiana de Mato Grosso
No dia 18 de janeiro completaram-se 120 anos da presença salesiana na Missão Indígena de Meruri, MT.

Um grupo de Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora chegou às terras Bororo em 18 de janeiro de 1902. O diretor era o padre João Bálzola e a diretora, a irmã Rosa Kiste. Construíram a primeira missão na região dos Tachos - “Toripó”, na língua nativa. Lá fizeram os primeiros contatos com o povo Bororo, desenvolvendo posteriormente atividades educativas e de autossustento.

Por causa dos problemas com a escassez de água, a missão foi transferida para a região próxima ao Morro de Meruri, às margens do Córrego Barreiro, dando origem à atual Aldeia Meruri, principal da comunidade e sede da Missão Salesiana no local até hoje. Na época, o padre João Bálzola escreveu sobre aquele momento da história missionária salesiana: “Quando mostrei de longe o lugar do nosso estável acampamento, um grito unânime de alegria feriu os ares: não sei se exultaram tanto os cruzados à vista de Jerusalém. […] Achado que foi o lugar mais conveniente, todos nós descemos da sela e ajoelhando-nos, beijamos aquela terra virgem, onde, com o auxílio de Deus, erguer-se-á a primeira capela desta missão. Eram 4 horas da tarde de 18 de janeiro, dia de sábado, véspera da festa do SS. nome de Jesus”.

A comunidade salesiana de Meruri hoje tem a direção do padre Andelson Dias de Oliveira.

Breve histórico
O atual secretário inspetorial da Inspetoria de Campo Grande, padre João Bosco M. Maciel, divide a história da Missão Salesiana de Meruri em cinco etapas:

- 1º período: de 1902 a 1919, quando a missão dava assistência exclusiva (econômica, sanitária, educativa e evangelizadora) aos Bororo, com a colaboração de voluntárias leigas e alguns empregados;

- 2º período: de 1919 a 1941, quando a missão procurou seu autossustento econômico com o trabalho dos missionários, de servidores não indígenas e dos Bororo;

- 3º período: de 1941 a 1965, caracterizado pelas mudanças de famílias para aldeias do Rio São Lourenço. Nesse período, iniciou-se o atendimento às numerosas fazendas e corruptelas de garimpeiros que surgiram na região e à escola para filhos de colonos, junto com os quais estudavam também as crianças Bororo;

- 4° período: de 1965 a 1980, marcado pela direção do padre João Falco. Com a fundação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, o compromisso missionário de evangelização passou a ser também de apoio aos indígenas na conservação da cultura e no direito a um território onde pudessem continuar vivendo como povos diferenciados;

- 5° período: de 1980 aos dias atuais. A terra indígena de Meruri, com 82.301 hectares, foi homologada pelo presidente da República pelo Decreto Nº 94014, de 11 de fevereiro de 1987. Com o aumento dos alunos Bororo, a escola, além do Ensino Fundamental, criou em 2009 também o Ensino Médio. Os professores atualmente são todos indígenas e a maioria tem curso superior. Merece destaque a criação do Centro de Cultura Padre Rodolfo Lunkenbein, inaugurado em 2001, que é referência nacional na revitalização da cultura indígena.

Mártires
O fato mais marcante na história dos salesianos em Meruri ocorreu no dia 15 de julho de 1976, quando foram assassinados o padre Rodolfo Lunkenbein, então diretor da presença salesiana, e o indígena Simão Bororo. “Às 11 horas da manhã do dia 15 de julho, a Colônia Indígena de Meruri, no Leste mato-grosssense, foi atacada por 62 fazendeiros armados, cujas terras estão dentro da reserva Bororo, que começara a ser demarcada pela Funai na antevéspera. O padre Rodolfo Lunkenbein, missionário salesiano, de 37 anos, e o índio Simão Cristino foram mortos; outros quatro Bororo ficaram feridos. Um dos atacantes também morreu, atingido por uma bala perdida de seus próprios companheiros”, escreveu dom Pedro Casaldáliga para o CIMI, naquele ano.

Em 2016, após a visita do padre Pier Luigi Cameroni, postulador geral para as Causas dos Santos, foram iniciados os procedimentos para o processo de beatificação e reconhecimento do martírio do padre Rodolfo Lunkenbein e de Simão Bororo.

Padre Ochoa
Em 1959, chegou a Meruri, vindo da Colômbia, o padre Gonzalo Ochoa. Passou 50 dos seus 63 anos de sacerdócio entre os Bororo e acompanhou de perto o que ele chama de “ressurreição” da cultura Boe-Bororo, com a realização do funeral na aldeia de Meruri, em setembro de 2021. “Logo depois do Concílio Vaticano II, a carta de São Paulo VI dizia que devíamos procurar sementes do Evangelho também entre os povos indígenas (…). Mas já não havia mais quase nada da cultura Bororo naquela época. Meruri estava se encaminhando para ser uma cidade de brancos. O trabalho dos salesianos era manter uma escola que atendia a educação de todos daquela região de Alto Araguaia, Barra do Garças, Araguaiana e grande parte do leste de Mato Grosso”, lembra o missionário salesiano.

Ao se completarem 120 anos de presença em Meruri, padre Ochoa lembra de dois outros salesianos importantes na história da Missão: “O padre João Falco liderou a virada na história dos Bororo ao resgatar famílias que foram morar em Meruri para ajudar a preservar a cultura deles. Outro é o padre José Marinoni, que foi o diretor depois da morte do padre Rodolfo Lunkenbein. Ele fez um imenso trabalho para pacificar a região e liderar os salesianos naquele momento tão difícil”, recorda.

Tempos atuais
A comunidade salesiana de Meruri hoje tem a direção do padre Andelson Dias de Oliveira. Ele lembra que o trabalho entre os indígenas da América do Sul é o cumprimento de vários sonhos e profecias de São João Bosco. “Vejo que hoje nosso maior testemunho é estar presentes com eles em suas lutas, em seus sonhos e na busca por garantir e defender seus direitos. Eles mesmos repetem: tantos vieram aqui, mas somente os missionários ficaram. É claro que, estando com eles, os assistimos em suas necessidades! Evangelização, educação, saúde, a fim de que tenham vida e vida em abundância”, afirma.

A concretização dos trabalhos missionários em Meruri cumpre grande parte dos sonhos proféticos de São João Bosco para as gerações de salesianos que derramaram suor e sangue no Centro-Oeste brasileiro. Em 2021, por ocasião do Capítulo Geral 28, o Reitor-mor, padre Ángel Fernández Artime, pediu um “ardente empenho” de cada salesiano para resgatar a identidade carismática deixada por Dom Bosco, da qual, entende-se, faz parte o trabalho entre os indígenas.

“O carisma salesiano, desde sua fundação, foi com os jovens mais pobres. Se nos afastarmos das nossas origens, certamente não seremos Salesianos de Dom Bosco. Por tanto, diante daquilo que falou o Reitor-mor, é preciso viver com os povos indígenas, em particular onde estamos com o povo Bororo, o sacramento da presença. Saber ouvir, saber sentir e saber lutar por e com eles. Foi graças a essa presença que, nestes 120 anos, os Bororo não foram à extinção como tantos antropólogos previam. Permanecer com eles tem sido o segredo da vivência da nossa espiritualidade”, afirma o  padre Andelson, atual diretor de Meruri.

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