Ação Social

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Quero misericórdia e não sacrifício

Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB
O mês de março chega nos envolvendo com um tempo especial dentro da Igreja: o período quaresmal que vai nos preparar para a celebração da Páscoa do Senhor, a sua Ressurreição.

Dentro da tradicional espiritualidade cristã, pensar na Quaresma evoca um período marcado pela penitência e pelo jejum. São práticas de mortificação que devem ajudar o cristão a trabalhar o domínio do corpo e das vontades para percorrer um caminho de conversão, capaz de levar a uma renovação espiritual e à real celebração da Ressureição de Jesus.

À penitência e ao jejum, somam-se ainda dias de abstinência do alimentar-se de carne, um tempo maior voltado à oração e à leitura da Palavra de Deus e, de forma muito especial, o empenho e compromisso na prática da caridade.

A lógica do sofrimento como expiação das faltas e dos pecados trouxe um foco mais intenso para as mortificações corporais e, assim, a abstinência da carne na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Jejuns e outras formas de penitência ganham maior relevância como maneira de agradar a Deus. É a ideia do sacrifício, tão cara aos sacerdotes e doutores da lei no tempo de Jesus.

Deus é misericórdia
O ensinamento renovado do Evangelho, do Deus Misericordioso do Antigo Testamento resgatado por Jesus, reafirma que o que agrada verdadeiramente a Deus é a misericórdia. A afirmação, na verdade, é muito mais taxativa: “Quero misericórdia e não o sacrifício”, diz Jesus em Mt 9,13, retomando o que o profeta Oséias (Os 6,6) já havia falado em nome de Deus. Encontramos aqui uma atitude capaz de nos conduzir por um caminho quaresmal bem eficaz e orientado para o que Deus realmente espera de todo cristão.

A misericórdia pode ser entendida no sentido da compaixão diante da fraqueza e do erro do próximo, em relação ao qual nos dirigimos não com a razão que avalia, julga e condena; mas com o coração que acolhe, envolve, perdoa e ajuda o outro a caminhar. Pode ser entendida também com uma atitude de ir ao encontro daquele que experimenta a dor e o sofrimento por suas necessidades materiais e espirituais, pela condição de pobreza, doença, abandono, exclusão ou solidão.

Diante de uma sociedade onde tantos, nos mais diferentes contextos e situações, experimentam a marginalização, ser cristãos autênticos e comprometidos nos impõe a capacidade de irmos muito além do sacrifício. A oração, nossas práticas de piedade, a Palavra de Deus, e, de modo muito especial, a Eucaristia, são alimento e sustento para nossa vida espiritual e para o amadurecimento na vida cristã. A expressão concreta e madura da nossa fé, contudo, se manifesta nos gestos sensíveis de solidariedade e fraternidade.

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Sobre isso, assim escreve o Papa Francisco: “Em todas as épocas, as pessoas experimentam ‘fome ou sede de justiça’ (Mt 5,6).

Consciência cristã
Desejamos, aspiramos e necessitamos de uma sociedade e de um mundo melhores, com menos dor e sofrimento, onde as pessoas possam viver sem estar, constantemente, atormentadas pela angústia e pelo medo, pela incerteza do hoje e do amanhã. Onde, no momento atual e nas circunstâncias do presente, não haja pais vendo seus filhos passando necessidades básicas, avós desamparados, doentes desassistidos e tantas outras situações que fazem emergir o pior da sociedade em geral e das pessoas que alimentam a ganância e o mal.

Diante de tudo e da nossa consciência de cristãos, urge que sejamos capazes de pensar que não apenas não podemos ficar indiferentes a todo esse contexto, mas precisamos nos sentir motivados e impulsionados a pensar que há algo que podemos e precisamos fazer para que o mundo ao nosso redor se torne melhor para todos e mais parecido com o que é o “sonho” de Deus, que nos criou para a felicidade e que, no momento inicial da criação, “viu que tudo que havia feito era bom” (Gn 1).

Considerada a amplitude dos problemas, somos tentados a acreditar que pouco ou nada podemos fazer. Porém, o pouco que cada pessoa realiza soma-se ao de outros mais e vai ganhando proporção. Nesses dias, conversando com um jovem muito desejoso de fazer o bem, ele me citou uma artista musical, de nome Jana Stanfield, que disse: “Eu não posso fazer todo o bem que o mundo precisa. Mas o mundo precisa de todo o bem que eu posso fazer”.

Unidos pelo bem
Precisamos acreditar nessa verdade e, mais ainda, podemos unir o bem que queremos e podemos fazer ao daquelas instituições sociais que também estão comprometidas em uma ação mais ampla e articulada para servir aos menos favorecidos da sociedade. Qual, como, onde, de que forma? Os pontos de partida são sempre nossa disposição e o desejo de nos comprometermos com uma atitude séria de participar da transformação da sociedade, começando do lugar onde nos encontramos. O resto, depois, o Espírito nos orienta.

Sobre isso, assim escreve o Papa Francisco: “Em todas as épocas, as pessoas experimentam ‘fome ou sede de justiça’ (Mt 5,6), um grito que se eleva desde as periferias da sociedade. Se discernirmos nesses anseios uma expressão do espírito de Deus, podemos nos abrir a esse movimento, tanto no pensamento, quanto na prática e assim criar um futuro novo segundo o espírito das Bem-aventuranças”. (Vamos sonhar juntos, PP. Francisco).

Eis aí um bom propósito para se viver de forma profunda e segundo o Evangelho o tempo quaresmal que nos é dado também esse ano como um dom de Deus. Teremos, assim, a certeza de chegarmos na Páscoa celebrando um real encontro com o Ressuscitado, sempre presente nos mais pequeninos.

Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).

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