Santo Artêmides Zatti

A família Zatti em Bernal, foto de 1899

Artêmides Zatti, imigrante

Ariel Fresia, SDB – BS Argentina / Tradução: Ana Cosenza / Fotos: Arquivo BS Argentina
Um santo imigrante, resposta de esperança frente às adversidades.

Doze mil quilômetros separam o povoado de Boretto, na região de Reggio-Emilia, na Itália, da cidade de Bahia Blanca, ao sul da província de Buenos Aires, na Argentina. Como milhões de famílias de sua época, os Zatti imigraram até a América em busca de melhores condições de vida. Uma paisagem, uma cultura e uma linguagem novas recebem um jovem Artêmides, um santo que viveu alguns dos sonhos, dificuldades, saudades e alegrias que sente cada imigrante que deixa a sua terra natal.

Milhões em busca de um futuro melhor
Na segunda metade do século XIX, o sistema social e a estrutura agrária italianos sofreram uma forte crise que afetou os pequenos produtores e arrendatários rurais. O deslocamento do campo para a cidade, provocado pela industrialização, assim como a concentração de terras na área rural e o crescimento da pobreza, levaram o campesinato italiano a imigrar para a América.

Dos 52 milhões de europeus que imigraram entre 1830 e 1930, cerca de 11 milhões desembarcaram na América Latina: a maioria era proveniente do norte da Itália e da Espanha. Quase a metade – cerca de cinco milhões de italianos – se radicou na Argentina.

Boretto, um pequeno povoado de camponeses sobre o rio Po, também sentiu o impacto da crise agrária. A família Zatti sofreu muitas perdas econômicas. Todos os seus membros, desde muito cedo, se dedicaram a trabalhar no campo, inclusive as crianças. Os filhos maiores e outros familiares se empregavam como jornaleiros ou peões para ganhar o pão e a polenta: “Nascido em um lugar pobre, onde havia muitas bocas e poucos recursos, era necessário trabalhar se se queria viver”, sintetiza o salesiano Raúl Entraigas, principal biógrafo de Zatti.

Como o restante de sua família, Artêmides levou uma vida pobre e sacrificada de camponês trabalhador. E, assim como outros italianos, os Zatti viram na “América” uma saída. A informação de familiares que já estavam neste continente era entusiasmante. Particularmente o tio Juan Zatti, que estava instalado em Bahia Blanca, fez o papel de “incentivador”.

As cadeias migratórias, as redes de sociabilidade e a identidade étnica e religiosa funcionavam para canalizar notícias, descobrir oportunidades de trabalho e aproveitar os poucos recursos disponíveis. Os amigos e familiares já residentes na “terra promissora” davam início a essas redes. No início de 1897, a família Zatti embarcou rumo à Argentina. Artêmides contava então com 16 anos.

Comunidade Salesiana do Colégio Dom Bosco de Bahía Blanca, 1897
Os migrantes, inclusive os incorporados a sociedades “receptivas”, como os Zatti no final do século XIX, experimentaram a pobreza e a incerteza.

Vínculos e fé para sentir-se em casa
Chegados à América, os imigrantes italianos, em sua imensa maioria trabalhadores agrícolas, foram se dedicando a diferentes atividades que lhes permitissem ganhar a vida ou, no melhor dos casos, conquistar um pequeno ascenso social. Os Zatti chegaram à Argentina em 9 de fevereiro e se instalaram em Bahia Blanca, então uma pequena localidade ao sul da província de Buenos Aires.

O apoio dos familiares e a solidariedade das redes de apoio social, como as sociedades de socorro mútuo e a ação da Igreja, proporcionaram a inclusão dos imigrantes à vida social, cultural e produtiva. Os Salesianos de Dom Bosco, muitos deles também italianos, favoreceram essa inserção na sociedade bahiense.

Como parte dessa cadeia migratória, Artêmides trabalha como conselheiro dos novos incorporados ao país: “Escutei que chegou da Itália, ou dizendo melhor, de Boretto, o primo Higinio. Desde as distantes terras da Patagônia desejo-lhe boa sorte. (...) Aconselho que não se deixe atrapalhar (isso vale para todos) por aquele patrão que o faça trabalhar nos dias festivos, com a desculpa da necessidade, dizendo e praticando o que já havia ouvido dizer, que na América tudo é permitido com o objetivo de fazer dinheiro”.

Os Zatti, uma família religiosa, acostumada às práticas de piedade dos camponeses, concorriam assiduamente à paróquia de Boretto. Na Argentina, Artêmides, como todos os seus irmãos, se incorporou à vida paroquial e logo se transformou em assíduo participante das atividades organizadas pelos salesianos. No contato com eles nasceu sua vocação religiosa e o desejo de se fazer salesiano.

Com a recordação da terra natal
Os migrantes, inclusive os incorporados a sociedades “receptivas”, como os Zatti no final do século XIX, experimentaram a pobreza e a incerteza. Ainda que tentassem manter os laços com o povo de origem, iam construindo novos vínculos para abrir seus caminhos. Por causa de uma negociação, Artêmides entra em contato com seu pároco em Boretto, que envia saudações a todos os seus conterrâneos: “Escrevi para Boretto, ao padre Constante Solian, pedindo a ele meus certificados de Batismo e Crisma. Ele já me enviou, encarregando-me de saudar a todos vocês, e aos “Boretenses” que vivem em Bahia Blanca”.

Na vida de Artêmides podemos ver a sua resiliência diante das adversidades em seu novo contexto de vida: trabalho precário, estudos incompletos, dificuldades graves de saúde, incertezas sobre o futuro. Frente a todas elas, pôde se refazer. Finalmente, em 1914, obtém sua “carta de cidadania” como cidadão da República Argentina. Em 1934, por causa da canonização de Dom Bosco e por uma única vez, volta à Itália e visita seu povoado natal.

Artêmides com sua mãe, em 1917

Um santo imigrante
Vários fatores incidem nas migrações, que podem ser voluntárias ou forçadas, como resultado de desastres ecológicos, crises econômicas e situações de pobreza extrema ou conflitos armados, cuja magnitude e frequência não deixam de aumentar.

Se bem que em proporção menor ao que foi no final do século XIX, países como a Argentina continuam recebendo a cada ano centenas de milhares de imigrantes, sobretudo provenientes de outros lugares da América Latina. E, como em outros lugares do mundo, a obra salesiana é um ponto de encontro e de fé para as famílias migrantes, além de lugar de formação e de recreação para suas crianças e seus jovens.

Ao mesmo tempo, e como consequência de diversos fatores, também hoje muitas pessoas deixam seu país natal para radicarem-se em outros lugares. Ele e elas vão, assim como aconteceu com a família Zatti, em busca de novas oportunidades, perseguindo sonhos, com dificuldades e medos.

Hoje, como antes, os migrantes – apesar das carências, injustiças e desigualdades – graças aos seus conhecimentos, redes e competências pessoais, buscam abrir caminhos e construir um futuro melhor. Dessa maneira, contribuem para forjar comunidades mais fortes, diversas e com sujeitos resilientes na nova sociedade e cultura a que chegam.

Os Zatti, e entre eles Artêmides, construíram uma história na Argentina. Aquele imigrante de Boretto encontrou uma vocação junto aos salesianos e desenvolveu uma vida plena. A história posterior o mostra em Viedma, consolidado em uma vocação de serviço incondicional. Uma trajetória de vida consagrada a Deus e aos mais pobres, razão pela qual é relembrado como o “parente de todos os pobres” e um santo sensível e próximo das pessoas. Um santo imigrante, esperança para tempos difíceis.

Publicado originalmente em Boletín Salesiano Argentina, agosto de 2022.

Veja no site dedicado a Santo Artêmides Zatti os cinco artigos sobre a biografia do santo, preparados pelo BS Argentina. Clique aqui para acessar

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