A palavra “comunicação” surge da mesma raiz da palavra “comunhão”: ambas se referem à capacidade de tornar algo comum, universal, partilhado, comunitário. Portanto, seria possível pensar que um mundo permeado e caracterizado pela facilidade da comunicação deveria ser também rico de comunhão, partilha e entreajuda.
De certa forma, o atual momento que vivemos, marcado pela globalização e pelas avançadas tecnologias no campo da comunicação, permite que nos vejamos como uma grande aldeia global. Temos acesso ao que acontece no outro lado do mundo de forma instantânea e podemos nos conectar com qualquer pessoa em praticamente qualquer lugar do planeta.
As barreiras do tempo e do espaço tornam-se obsoletas e a virtualidade nos permite construir novos espaços editáveis, em que cada um pode criar a sua própria imagem e – por que não dizer – o seu próprio mundo, a partir de tendências e modelos universais muito diferentes das culturas locais em que somos nascidos. Nesse contexto, abertura e fechamento se mesclam e aquilo que deveria ser um salto para a universalidade e a fraternidade acaba se fragmentando em posturas cada vez mais individualistas, reducionistas e extremistas.
Humanidade e fraternidade
Conforme o Papa Francisco: “Hoje podemos reconhecer que nos alimentamos com sonhos de esplendor e grandeza, e acabamos por comer distração, fechamento e solidão; empanturramo-nos de conexões, e perdemos o gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro, e encontramo-nos oprimidos pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade”.
A ilusão de um mundo de grandeza e consumo deixa cada vez mais evidente o abismo entre ricos e pobres e os bolsões de pobreza, renegados aos países periféricos, agora se abrem e se espalham por todo o mundo em levas crescentes de imigrantes que fogem das duras realidades a que foram submetidos.
Ao mesmo tempo, a pandemia deixa evidente que enquanto um país ou região estiver em situação de risco, todo o mundo pode e será afetado por essa realidade. Esse momento histórico que vivemos deveria nos fazer refletir sobre o modelo de desenvolvimento que adotamos e despertar-nos para a vivência de um estilo de vida mais humano e fraterno. Também em relação à crise climática, já estamos sofrendo as consequências de um modelo de desenvolvimento irracional e incompatível com as reais condições de recursos naturais do planeta.
Uma mudança necessária
A mudança em nosso estilo de vida é uma urgência que exige conversão pessoal e comunitária. Se pensamos em um futuro marcado pela comunhão entre os povos, de acordo com o tão sonhado Reino de Deus que, como cristãos, somos chamados a construir, precisamos necessariamente viver um processo de conversão.
Contrariamente ao mundo de espetáculo midiatizado, somos convidados a entrar em contato com a realidade, a olhar para as ruas, a ver as periferias, a olhar os rostos marcados pelo tempo, a escutar o choro real que marca a vida de muitas pessoas abandonadas, esquecidas, fragilizadas, que não aparecem nas redes sociais.
Não é possível pensar em um retorno à “normalidade” depois da pandemia. É preciso passar para um outro nível de relações, em que a indiferença não seja normal nem aceitável; em que o individualismo dê lugar ao comprometimento com a comunidade, de modo que a comunhão seja o ideal comum para além de qualquer diferença. A pandemia sacudiu nossas estruturas e certezas, escancarou nossa fragilidade de seres humanos, limitados e que necessitam uns dos outros.
Se é possível tirar alguma lição da história, certamente este seria o momento adequado para recomeçarmos, não do ponto onde paramos antes da pandemia, mas sim de um novo ponto de partida, em que a humanidade se dá conta de que somos todos irmãos e estamos destinados a conviver e a cuidar da mesma Casa Comum.
Esta é a grande proposta do Papa Francisco e da Igreja na encíclica Fratelli Tutti para que, em um mundo no qual a pessoa esteja no centro das preocupações e, portanto, em um mundo repleto de comunicação, ousemos chegar à comunhão, conscientes de que somos todos filhos amados do Pai.
Irmã Márcia Koffermann, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Comunicação (RSB-Comunicação).