Outubro é tradicionalmente considerado pela Igreja como o Mês das Missões. Mas será possível tratar sobre a dimensão missionária, sobre a necessidade de uma “Igreja em saída” como nos pede o Papa Francisco, nesses tempos em que a pandemia da Covid-19 nos força a restrições no convívio social e nos recursos econômicos e pessoais?
Ao levantar as informações para redigir este Boletim Salesiano especial sobre as Missões, a resposta que tivemos foi “Sim”! Em todos os continentes, a ação missionária da Família Salesiana este ano não apenas se manteve, mas se intensificou, mostrando-se fundamental para superar os desafios trazidos pela pandemia, especialmente nos locais mais carentes. Religiosos e leigos, inspirados pelo carisma salesiano, continuam respondendo ao chamado missionário, dispondo-se a estar a serviço dos que mais precisam, nos locais e da forma que for necessário.
Presença
Ser missionário inclui muito trabalho, dedicação, renúncias e esforços. Mas permite também perceber o valor da vida, da solidariedade, do compartilhar dores e alegrias com os irmãos de culturas diversas. Essa realidade é vivida especialmente pelas centenas de Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora que escolheram a missão “ad gentes”. Ou seja: saíram de suas localidades de origem para se dedicar permanentemente à missão em outros países.
No início das missões salesianas, religiosos e religiosas partiam da Europa – principalmente da Itália, berço da Família Salesiana – para países da América, da África e da Ásia. Atualmente, entretanto, todos os continentes recebem e enviam missionários. O que continua como ponto comum, desde as primeiras expedições missionárias nos tempos de Dom Bosco até hoje, é que os missionários são enviados prioritariamente para o serviço às populações mais carentes e desassistidas.
Um dos exemplos mais claros disso é o trabalho realizado com os deslocados e refugiados nas zonas de conflito: milhares de famílias forçadas a deixar suas casas pela guerra e violência em seus países encontram nos missionários salesianos apoio e solidariedade. É o que acontece nos assentamentos de Gumbo (Sudão do Sul) e de Palabek (Uganda), na África. Nesses locais, as condições de vida precárias e a escassez de recursos tornaram ainda mais assustadora a possiblidade de contágio pela Covid-19. Mas os salesianos permaneceram nos campos, ajudaram a organizar a população e buscaram apoio junto a instituições nacionais e internacionais.
De acordo com o padre Shyjan, do Sudão do Sul, “as crianças são as mais atingidas pelo fechamento das escolas. Até a proibição de se reunirem para brincar dentro do assentamento as faz sofrer”. Os salesianos de Gumbo decidiram, então, "fornecer uma refeição diária, distribuída por voluntários". Também instalaram dispensadores de água com cloro para a lavagem frequente das mãos.
No assentamento de Palabek, atuam cerca de 30 instituições humanitárias, mas os salesianos são os únicos que moram no local e compartilham o cotidiano dos refugiados. Ali os próprios assentados confeccionaram máscaras, utilizando as instalações das oficinas de costura da escola técnica, que atualmente está fechada. “Também distribuímos alimentos às crianças”, conta o missionário padre Ubaldino Andrade. Enquanto respeitam a proibição de se reunirem e celebrar a santa missa, os salesianos orientam os deslocados internos e os refugiados a cultivarem alimentos: “É seu único meio de subsistência, uma vez que eles não têm dinheiro”, explicam os religiosos.
Em Moçambique, também na África, em meio ao retorno da guerrilha e a propagação do coronavírus, as FMA acolhem os que fogem da região de conflitos e oferecem assistência às famílias mais pobres. Em Chiure, a casa das irmãs é o ponto de encontro de muitos desabrigados, provenientes de zonas de guerra. As irmãs e as famílias locais oferecem acolhida e espaço nos quintais de suas casas, para grupos de 15 a 20 pessoas. As FMA também distribuem aos deslocados cestas básicas e, nesta época da pandemia, máscaras produzidas por elas. Na cidade e aldeias vizinhas, são desenvolvidos projetos como o de atendimento aos recém-nascidos para combater a desnutrição e o da Padaria Solidária, junto com a Cáritas Diocesana, para promover emprego para os jovens e produzir pão para os refugiados.
Aqui escolhemos os refugiados como exemplo, mas a ação missionária salesiana foi fundamental para o enfrentamento da pandemia da Covid-19 em outros contextos desafiadores: com os indígenas de diversas etnias em países da América Latina; no atendimento às famílias em situação de grave risco social em países como Índia, Bangladesh e Filipinas; na atenção aos migrantes e a populações que sofrem discriminação social (como os ciganos) em cidades da Europa; junto com os jovens marcados pelas consequências da guerra e de conflitos sociais em países como a Síria e o Líbano , entre tantas situações nas quais os missionários salesianos já atuavam e tiveram de intensificar suas atividades diante da emergência sanitária e econômica neste ano de 2020.
Voluntariado
Uma outra vertente da dimensão missionária salesiana é o voluntariado juvenil. As ONGs Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento (VIS), dos Salesianos de Dom Bosco, e VIDES, das Filhas de Maria Auxiliadora, promovem ações missionárias realizadas por jovens leigos que, após atividades preparatórias formativas e de voluntariado local, passam um período determinado (de um ano ou de alguns meses) desenvolvendo o voluntariado junto às presenças salesianas em um outro país.
Quando a epidemia da Covid-19 se alastrou pelo globo, os envios missionários tiveram de ser suspensos. Mas os voluntários das duas organizações que já haviam partido optaram por permanecer em seus locais de missão. Os jovens do VIS Itália até adotaram o lema “resto@ttivo nel mondo” (permaneço ativo no mundo) para reforçar, nas redes sociais e organismos de imprensa salesiana e católica, os relatos de suas atividades. Entre as ações realizadas por eles, destacam-se: campanhas de informação e distribuição de equipamentos de proteção individual contra a pandemia em áreas rurais do Senegal e de Gana; acolhida a crianças em situação de rua na República Democrática do Congo; distribuição de cestas básicas e produtos de higiene a famílias em vulnerabilidade social na Bolívia; apoio no atendimento hospitalar e fornecimento de máscaras de proteção na Palestina; e projetos de educação e formação profissional com cursos online no Haiti.
Quando não houve possibilidade de sair em missão, os voluntários do VIS e do VIDES se engajaram no atendimento emergencial, distribuição de alimentos e materiais de higiene pessoal, confecção de máscaras e outras ações de solidariedade às famílias mais vulneráveis, realizadas pelas presenças FMA e SDB em seus países de origem. Inclusive aqui no Brasil, onde já em abril os voluntários do VIDES-SP aliaram-se às educadoras e alunas do curso de Corte e Costura da OSAF (Obra Salesiana de Apoio Fraterno), em Araras, SP, para confeccionar e doar 1.500 máscaras protetoras para a Secretaria Municipal de Saúde.
Solidariedade
Cabe destacar ainda que as missões salesianas recebem o apoio das direções gerais da Congregação Salesiana e do Instituto das FMA, das procuradorias missionárias, de institutos e ONGs voltados para a cooperação com os missionários, o que foi ainda mais relevante neste ano para que as comunidades mais carentes, em várias partes do mundo, pudessem enfrentar a pandemia da Covid-19 em melhores condições.
A Procuradoria Missionária salesiana alemã, “Don Bosco Mission Bonn”, publicou em setembro seu relatório anual que mostra um balanço detalhado sobre os projetos mantidos pela organização salesiana de agosto de 2019 a agosto de 2020. No período examinado, a Procuradoria Missionária alocou 7,6 milhões de euros para projetos realizados em 64 países, em favor das missões no exterior dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora. Para as intervenções específicas de resposta à pandemia do Covid-19, a Procuradoria recolheu dos seus benfeitores outro um milhão de euros.
A Procuradoria da Polônia, com sede em Varsóvia, realizou uma campanha específica com o tema “Ajuda-Covid: Não vamos deixá-los sozinhos!” para apoiar o empenho dos missionários salesianos em favor daqueles que mais sofrem pelas consequências da pandemia do coronavírus. Até 21 de maio, foram recolhidos cerca de 45.000 euros, enviados diretamente aos missionários, que utilizaram o dinheiro principalmente para a compra de alimentos para as famílias que ficaram sem recursos em 18 presenças missionárias em países como Índia, Bangladesh, Zâmbia, Madagascar, Camarões, Argentina, Libéria e México.
“Compramos principalmente arroz, feijão e milho, para serem entregues a quem mais precisa. A situação é muito difícil, sobretudo no Estado de Oaxaca: o povo do lugar, indígenas que vivem nas altas montanhas, deve agora enfrentar o problema da absoluta falta de alimentos. A ajuda, que, graças a vocês, podemos oferecer a essas pessoas, é algo de inestimável”, escreveu o salesiano irmão Sebastian Marcisz em agradecimento aos benfeitores da Polônia.
Desde o início da pandemia, a “Salesian Missions”, da Procuradoria Missionária Salesiana de New Rochelle, EUA, vem respondendo à situação de emergência e ajudando as populações mais afetadas ou em condições mais críticas. Graças a seus fundos, recolhidos com doações, foram fornecidas refeições, produtos de higiene pessoal e cuidados médicos pelos missionários salesianos em oito países: Burundi, Timor Leste, Índia, Namíbia, Malawi, África do Sul, Sudão do Sul e Zâmbia.
Em Guwahati, na Índia, por exemplo, os salesianos administram cinco obras para jovens pobres e órfãos da região, além de proporcionar programas educativos. Baralin Kharummind, um dos beneficiários, escreveu à procuradoria norte-americana para contar: “Moro em um vilarejo que fica em uma região remota. Após a decretação do lockdown no país, sem trabalho e sem comida em casa, estava difícil alimentar minha família. Sou muito grato a 'Bosconet' pelo apoio que minha família recebeu neste momento complicado. É realmente uma bênção receber arroz, açúcar, sal, óleo, sabonetes e folhas de chá. Gostaria de agradecer em nome de todos os habitantes do meu vilarejo”.
Testemunho
Por fim, é importante dizer que a ação missionária salesiana atende muito mais do que as necessidades emergenciais econômicas e sociais. Ela deixa marcas profundas, seja nas comunidades que recebem os missionários, seja na vida daqueles que realizam a missão. É como afirma o padre salesiano Jean-Paul Mutombo Matala Yane, natural do Congo, África, e atualmente servindo em Malta, na Europa: “Vejo na vida missionária uma grandíssima expressão de amor pelo anúncio do Evangelho e também de amor por todos os povos de Deus. Na vida missionária se manifesta tudo quanto se tem para servir o Evangelho”.
Ao falar sobre sua vocação, o padre Yane conta que surgiu graças aos testemunhos vivos de alguns salesianos missionários no povoado em que nasceu: “Vi e tive a experiência em seu modo de viver uma maneira eficaz de testemunhar o amor de Jesus Cristo ao mundo. Não falo somente do seu apostolado entre os jovens, mas dos seus sacrifícios em adaptar-se à cultura, à língua, à comida, ao clima, ao viver longe da família, dos amigos… nas minhas reflexões descobri que só o amor pode explicar essa jubilosa renúncia: foi mesmo então que tudo começou”.
O conselho que dá aos salesianos jovens de seu país pode ser estendido a todos, religiosos e leigos, homens e mulheres, dos muitos países em que a Família Salesiana está presente: “Nunca sufocar o impulso missionário. Nunca ter medo de responder à vocação missionária. Deus que chama, também dará quanto lhes for necessário para corresponder às Suas expectativas”.