São Filipe Néri, 1515-1595, faleceu com 80 anos. A primeira fase da vida de Filipe, até os 36 anos, em 1551, foi de um cristão leigo inflamado pelo Espírito Santo, revestido de Jesus Cristo, portanto, conduzido pela força de Deus. Segundo narrativas de sua vida, em 1544, aos 30 anos, nas vésperas de Pentecostes, rezando nas catacumbas de São Sebastião, na cidade de Roma, Filipe foi inundado pelo Espírito Santo que, segundo ele, entrou por sua boca como bola de fogo e fez seu coração arder. Uma experiência mística, que marcou sua vida como cristão leigo.
Dom Bosco conheceu e se inspirou na forma de animar e criar o ambiente oratoriano com esse mesmo fogo do Espírito Santo de Filipe Néri. Nos anos no seminário de São Filipe, em Chieri, 1535-1841, o jovem seminarista Bosco esteve em contato com a herança dos oratorianos fundadores do Seminário. Em um ambiente algumas vezes hostil, com professores preparados, porém distantes, e colegas um tanto dispersos, com exceção de Luís Comollo, seu grande amigo, João orientou sua vida segundo os valores da seriedade nos estudos, perfil presbiteral despojado e pobre, homem de oração e aberto à vontade de Deus, a exemplo de São Filipe Néri.
Voltemos a Filipe Néri. Como cristão leigo, ele soube viver três realidades que são importantes para todo cristão, sobretudo para os leigos e as leigas que vivem no mundo o testemunho da fé, como sujeitos eclesiais.
Maturidade na fé
O cristão leigo participa ativamente na missão eclesial, para ser sal, luz e fermento (Mt 5,13-14), guiado pela força do Espírito Santo e atuando em diferentes frentes da sociedade e da Igreja. São profissionais, pais, mães, solteiros, lideranças políticas etc., comprometidos em movimentos sociais, engajados nas Comunidades Eclesiais de Base, ministros da Palavra, da Eucaristia, catequistas, cantores, músicos, missionários, inclusive fora do país, professores, comunicadores, médicos etc., que “descem a tudo que é humano para construir um mundo mais humano” (Evangelium Gaudium, 24; CNBB, 2017, 10.27.33s).
Esta disposição requer, a exemplo de Filipe Néri, que o coração esteja aberto ao Espírito Santo para que a vida do discípulo de Jesus Cristo se concretize no cotidiano, como afirma o Documento da CNBB 105 - Cristãos leigos e leigas na Igreja e na Sociedade, sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14).
Nesse sentido, Filipe Néri inspira os cristãos leigos ao estudo profundo das Escrituras. Ele foi um conhecedor da Teologia do seu tempo, adentrou no estudo da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, na busca sincera de conhecer a verdade guiado pela Palavra de Deus. Esse estudo, compartilhado em grupos pequenos de amigos que também buscavam melhor conhecimento da fé, amadureceu no coração de Filipe o ardente desejo de anunciar o Evangelho e o fortaleceu como cristão numa sociedade – no século XVI – ferida pelo cisma da Reforma Protestante.
Testemunho de amor à Igreja
Em meio a tantas diversidades eclesiais, devido à reforma e à contrarreforma, Filipe buscou o equilíbrio. Não cedeu aos apelos de romper com a Igreja nem permaneceu imóvel, mas procurou aprofundar sua fé na autorrevelação de Deus presente nas Escrituras.
Não recuou no seu ardente amor à Igreja, não foi um crítico avassalador do Papa, não rompeu com o bispo de sua diocese, não se colocou como mestre da fé, mas como servo de Deus, como leigo a serviço da Igreja e de sua missão. Sentir com a Igreja as dores e alegrias, esperanças e angústias, fizeram de Filipe um cristão leigo que foi fermento onde a presença eclesial estava dilacerada; sal, nas águas rasas das polêmicas, das excomunhões recíprocas e das lutas eclesiais; luz, na obscuridade da fé, no vazio da missão e na fome de Deus manifesta pelo povo sem rumo e sem pastores.
Filipe foi um cristão leigo que soube agregar ao seu projeto de vida as Escrituras e a Teologia, sem romper com o Magistério da Igreja.
Despojamento pessoal
Filipe Néri, na sua busca interior no seguimento de Jesus Cristo, foi um homem despojado de bens e do carreirismo eclesiástico, bastante forte no seu tempo. Como cristão leigo não buscou seguranças no bem-estar e nas riquezas materiais. Foi simples e pobre.
Como padre continuou mantendo uma vida austera, desprovida de luxo, próximo dos adolescentes e jovens abandonados que perambulavam pelas ruas de Roma; próximo dos mendigos e convicto de sua missão de samaritano, sempre pronto a socorrer os mais vulneráveis. Segundo narrativa de sua vida, quando o Papa quis presenteá-lo com o título de bispo, Filipe, com toda sua modéstia e coerência, disse: “Eu prefiro o paraíso”.
Na vida do nosso pai, Dom Bosco, o desejo do paraíso era constante. Prometeu aos salesianos o pão cotidiano, o trabalho digno e o paraíso como meta. Inspiração profunda e sábia em São Filipe Néri!
No próximo artigo apresentarei os outros elementos da vida de São Filipe Néri como sujeito eclesial.
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.