No Sonho dos 9 Anos aparecem como personagens essenciais, insubstituíveis, talvez os principais protagonistas da história, não “o homem luminoso”, a “mulher com o manto repleto de estelas” ou mesmo Joãozinho Bosco, mas sim os jovens, em torno dos quais atuam todos os outros personagens.
Eles são sempre nomeados como “meninos” ou “garotos”, e não como “jovens”, pois o personagem Joãozinho Bosco não poderia relacionar-se naquele momento de sua vida a não ser com os da mesma idade. E são uma multidão: para Dom Bosco, esta palavra é muito carregada de significado, pois nunca os “seus jovens” foram poucos, e menos ainda os da elite. Nos sonhos que sucessivamente continuam e complementam esse primeiro sonho que teve por volta dos 9 anos, aparecerão os “jovens” já como sujeitos ativos.
Algo interessante é que o narrador não dá voz a esses meninos, não os faz dialogar, mas suas expressões estão marcadas por atitudes e movimentos.
O pátio, lugar essencial
Esses meninos, que riam, jogavam e blasfemavam estão em um pátio muito espaçoso... Dom Bosco dirá que ninguém sai “desse lugar”. Tudo acontece no pátio: ali aparece e permanece o “homem venerável”; ali lhe é confiada sua missão e exposto o método para trabalhar com essas crianças; ali aparece a “mulher de aspecto majestoso”, ela, que será “a mestra” e lhe ensinará como tratar esses meninos que são “seus filhos”. Ali a senhora se despede dizendo: a seu tempo, tudo compreenderás...
É o carisma salesiano concentrado em um espaço que Dom Bosco chama de “pátio”! Na verdade, não é um “lugar físico”, mas uma metáfora de algo mais transcendente: a vida dos jovens em sua busca pela plenitude.
Uma comunidade juvenil em movimento
Os meninos, durante o sonho, estão em contínua agitação; ou, melhor dizendo, em um processo de “mutação”. Primeiro, deixando de lado as brigas, os gritos e as blasfêmias para se reuniram todos em torno daquele que falava, ou seja, para rodear o “homem venerável”. Em outro momento, já estando Joãozinho em diálogo com a “mulher majestosa”, todas aquelas crianças haviam sumido e, em seu lugar, apareceram lobos e outros animais. E o processo de transformação não para por aqui, pois, ao olhar novamente, ele se dá conta de que, ao invés dos animais ferozes, havia mansos cordeiros em seu lugar.
Este é o fenômeno que Joãozinho observa e sobre o qual não entende o significado. Qual é o sentido desse processo de mudanças e transformações? Porém, é isso o que a Virgem está ensinando a ele. Não adianta ir ao encontro dos jovens, mesmo os mais pobres, para vê-los em situações estáticas, em realidades ou contextos fixos; nem se trata de “enquadrar” esses jovens em definições psicológicas ou sociológicas que prendem e restringem...
Os jovens do sonho estão em movimento, em processo de transformação constante. Esse é um dos elementos mais característicos e fundamentais da perspectiva educativa e carismática salesiana.
Joãozinho terá que aprender a olhar para eles nesse movimento, a se fazer companheiro de caminhada, a estimular por meio da educação-evangelização o seu processo de transformação.
Um final de sonhos
No começo, os meninos riam, jogavam e não poucos blasfemavam... mas, no final, depois de um processo de transformação, acompanhado por um projeto especial de “missão” que Joãozinho recebe, os garotos são transformados em mansos cordeiros, que corriam e baniam, como que fazendo festa em torno daquele homem e daquela senhora.
Vale destacar que falar de todos, ou de “outros tantos”, significa falar sobre a totalidade. Para Dom Bosco, nenhum jovem é deixado de lado, nenhum se perde no caminho. Está bem claro que o processo é em grupo, comunitário: “cada um” está dentro do itinerário comum.
Nesse processo de realização, de plenitude, se chega à sua expressão máxima: uma festa. O pátio se transforma em uma celebração festiva, uma “liturgia juvenil” em torno de Jesus e Maria! Nada pode ser mais bonito para quem ama de verdade os jovens e deseja o melhor para eles.
Na descrição desse processo pelo qual passam os meninos, personagem grupal do sonho, está concentrado todo o carisma salesiano.
E não é que esse sonho de quase 200 anos atrás ainda desafia e faz vibrar hoje o nosso coração de Família Salesiana educadora?
Padre Luis Timossi, SDB, é formador do Centro Salesiano de Formação Permanente da América (CSFPA), em Quito, Equador.