Naquele momento ele viu ao seu lado uma mulher. Dom Bosco a nomeia assim: “uma senhora”. No início havia entrado em cena “um homem”, agora se complementa a visão com a aparição do “feminino”, da dimensão que Jung denomina de “anima”. Assim se configura o carisma salesiano, com uma esplêndida harmonia entre essas duas dimensões de todo ser humano, postas a serviço da missão pelos jovens.
Note-se que ela se apresenta ao seu lado... pode-se pensar que ambos trabalham juntos, somam-se, se complementam. Não é uma colocação acidental. Dom Bosco, como narrador, cuida de todos os detalhes para que descubramos uma sequência coerente e luminosa de sua mensagem.
Sua figura
Também a mulher tem um ar majestoso, como havia dito sobre o homem venerável, vestido nobremente. Porém, o que mais impacta o menino é o seu “manto”: ela estava vestida com um manto que resplandecia por todas as partes, como se cada um de seus pontos fosse uma estrela brilhantíssima. Desta mulher ele não diz que se via o rosto, por tanto, é de supor que ele a reconheceria.
A claridade do manto resplandecente em cada um de seus pontos, como se fosse uma estrela brilhantíssima, retoma o sinal da “luminosidade” com o qual havia apresentado o “homem”. Os dois personagens têm conotações de solenidade, autoridade e transcendência.
Suas primeiras atitudes
Sobre Ela, ele assinala que se sentia cada vez mais confuso... Joãozinho então se sente olhado. Percebe o olhar da mulher sobre ele, em sua situação de sofrimento. Mais uma vez, dá a entender que ela já estava ali durante o diálogo com o “homem”, ainda que Joãozinho só naquele momento tenha percebido sua presença. Sua primeira “experiência mariana” foi descobrir o olhar da Virgem...
“Deu-me sinal para que me aproximasse dEla”. Além de perceber o menino angustiado, a Virgem faz um gesto com a mão para que ele se aproxime. Mostra-lhe assim, claramente, uma das “categorias” imprescindíveis de todo o sistema educativo salesiano: a proximidade, a presença.
Mais um gesto: “me tomou com bondade pela mão e me disse”. Podemos imaginar essa cena do primeiro encontro entre a “senhora” e Joãozinho, onde não existem inicialmente palavras, apenas o vínculo que se estabelece a partir de expressões gestuais. A Virgem o ensina, desta maneira, esse modo “terno” de vincular-se educativamente.
A primeira palavra que a Virgem dirige a ele é uma ordem: veja. Ela está explicando com maiores detalhes “a missão” da qual o homem havia falado, e o que lhe preocupa é que Joãozinho aprenda a “olhar”. “Olhando, percebi que...”, “Dirigi então o meu olhar...”. Joãozinho inicia um processo de reeducação, principalmente sobre seu “enfoque”: precisa ver na direção que a Virgem indica e na sua “carga emocional”, pois é com o afeto que ela se comunica.
Seus filhos
A Virgem continua: “o que neste momento vês que acontece com esses animais, você deverá fazer o mesmo pelos meus filhos”. Na educação de Joãozinho Bosco, a mestra está apresentando a ele o perfil de como deverá realizar sua tarefa. Ela lhe oferece uma chave de interpretação totalmente nova: os jovens aos quais deveria se dedicar, especialmente os que se encontram em maior perigo, são “seus filhos”. Joãozinho, por tanto, deverá trabalhar com essa clara percepção de que todo o seu trabalho deverá ser uma resposta à “Mãe” desses meninos: Maria.
Sempre ao seu lado
Joãozinho não consegue entender tudo o que lhe é mostrado, por isso responde: “naquele momento comecei a chorar e pedi que falasse de modo que eu pudesse compreender”. Ele volta a se dirigir ao “homem”, rogando por mais compreensão. “Então Ela pôs a mão sobre minha cabeça, dizendo-me...”. O outro personagem já não responde (ele havia dado sua mãe como mestra), e agora é Ela quem assume a tarefa de seu Filho e se torna responsável por acompanhar João.
Dá-se a entender que este é um “novo gesto” de maternidade, a mão sobre a cabeça como um sinal de proteção, de bênção... E com suas últimas palavras, ela lhe assegura que estará sempre ali, sustentando seu sonho, sua missão: “a seu tempo, tudo compreenderás”. Como filhos de Maria, o que mais poderíamos dizer depois disso?
Padre Luis Timossi, SDB, é formador do Centro Salesiano de Formação Permanente da América (CSFPA), em Quito, Equador.