Sonho dos 9 Anos

Um sonho muito especial

É isso mesmo: há 200 anos, João Bosco teve um sonho que o "marcaria" por toda a sua vida. Um sonho que deixaria nele uma marca indelével, cujo significado ele só compreendeu plenamente no final da vida.

No texto da Estreia 2024, o Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime, reproduz o sonho narrado pelo próprio Dom Bosco, em suas “Memórias do Oratório de S. Francisco de Sales”. A versão crítica utilizada pelo Cardeal Artime é a feita pelo brasileiro padre Antônio da Silva Ferreira, SDB, na publicação do livro pela Editora Edebê.

Nessa idade (cerca de 9 anos) tive um sonho, que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida.

No sonho, pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava brincando. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam.

Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar.

Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: “Não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude”.

Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Foi quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava falando.

Quase sem saber o que dizer, acrescentei: “Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis?”. “Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência”. “Onde, com que meios poderei adquirir a ciência?”. “Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice”. “Mas quem sois vós que assim falais?” “Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia”. “Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome”. “Pergunta-o a minha mãe”.

Nesse momento vi a seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: “Olha”. Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. “Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte, robusto; e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos”.

Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem e daquela senhora, como a fazer-lhes festa. Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: “A seu tempo tudo compreenderás”.

Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu. Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos que desferira e doer-me o rosto pelos tapas recebidos; além disso, aquele personagem, a senhora, as coisas ditas e ouvidas de tal modo me encheram a cabeça que naquela noite não pude mais conciliar o sono.

De manhãzinha contei logo o sonho, primeiro aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à mamãe e à vovó. Cada um dava o seu palpite. O irmão José dizia: “Vais ser pastor de cabras, de ovelhas e de outros animais”. Mamãe: “Quem sabe se um dia não serás sacerdote”. Antônio, secamente: “Chefe de bandidos, isso sim”. Mas a avó que, de todo analfabeta, entendia muito de teologia deu a sentença definitiva: “Não se deve fazer caso dos sonhos”.

Eu era do parecer de minha avó, todavia não pude nunca tirar aquele sonho da minha cabeça. O que vou doravante expor dará a isso alguma explicação. Mantive-me sempre calado; meus parentes não lhe deram importância. Mas quando, em 1858, fui a Roma para falar com o Papa sobre a Congregação Salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto tivesse ainda que só a aparência de sobrenatural. Contei então pela primeira vez o sonho que tive na idade de 9 a 10 anos. O Papa mandou-me escrevê-lo literalmente e com pormenores, e deixá-lo como estímulo aos filhos da Congregação, a qual era precisamente o objetivo de minha viagem a Roma.

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