No contexto em que vivemos, de crise global sanitária causada pela Covid-19, precisamos sempre nos lembrar de que é o amor que nos torna irmãos e irmãs. Estamos conectados uns aos outros e ninguém pode ser feliz sozinho.
O Papa Francisco tem dado atenção especial à educação, especificando ser ela um grande campo para a construção de uma sociedade mais fraterna, pacífica e solidária. Por isso, encoraja-nos a uma verdadeira aliança educativa.
Diante disso, podemos nos perguntar: como o Papa Francisco pensa a educação? Os fundamentos pedagógicos do Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco, são os valores do Evangelho e, também, os valores expressos na Doutrina Social da Igreja.
Refletida em todo seu pontificado, a concepção de educação apresentada pelo Papa, está relacionada com sua própria experiência (de educador / consagrado / sacerdote / bispo / Papa) e com sua compreensão sobre a identidade e a missão da Igreja.
Retomar o caminho da misericórdia
A sociedade contemporânea vive tempos de pluralismo sociopolítico e cultural. Há uma constatação de extrema seriedade expressa no fato de que a humanidade é portadora de profundas feridas e que não sabe como curá-las. Nesse sentido, precisamos retomar o caminho da ética, da justiça e da sabedoria: as bases da misericórdia.
Mais do que urgente é ensinar a misericórdia às crianças. Talvez esse seja um saber para educação do futuro, fundado no diálogo, na democracia, no bem comum e no aprendizado compartilhado em prol de uma sociedade melhor para todos.
Porém, é mais do que necessário acabar com o maior de todos os pecados: a corrupção. Transformada em sistema, torna-se hábito mental e modo de viver. O corrupto é aquele que peca e não se arrepende e que finge ser cristão. Disfarça seu vício com a boa educação, com a mentira, com a propina e com a ostentação. Sua autoestima se baseia na fraude, no oportunismo, na indignidade e na total ausência de compaixão.
Educar as novas gerações é uma condição essencial para uma cidadania ativa, animada pelos valores do Evangelho, de pessoas disponíveis a fazer da própria vida um dom e um serviço aos outros, a recusar toda forma de corrupção, a cultivar a solidariedade para com os mais pobres, a defender a beleza da criação e da casa comum como patrimônio da humanidade, a promover e defender os direitos da pessoa humana.
Opção carismática da Família Salesiana
Todos, sobretudo os mais pobres, podem contribuir de forma revolucionária à construção de um mundo mais aberto à fraternidade, à solidariedade e à paz.
A promoção de um novo pacto com as novas gerações é inegável. Tamanha é a importância de envolver as crianças, adolescentes e jovens como sujeitos do processo de mudança, e, também, as escolas, as universidades, os governos, as religiões, as famílias, cada um com seu papel.
Lembremo-nos de que educar e evangelizar as futuras gerações, sobretudo os mais pobres, para nós, Família Salesiana, consiste em uma opção carismática irrenunciável. Dom Bosco e Madre Mazzarello doaram suas vidas ao Senhor construindo, junto aos jovens, projetos de uma nova sociedade mais humanizadora, cristã e cidadã.
Junto a Madre Mazzarello, as irmãs da primeira comunidade das Filhas de Maria Auxiliadora formaram uma rede educativa, em prol das meninas empobrecidas de Mornese. O objetivo era proporcionar uma educação para aquelas jovens de tal modo que viessem a se tornar boas mães de família, Filhas de Maria Auxiliadora e, sobretudo, boas cristãs comprometidas.
Diariamente, eram tecidos por muitas mãos projetos pessoais de vida destinados a servir aos outros, o que beneficiava toda a sociedade. Em um ambiente familiar, de simplicidade, alegria, piedade, relações fraternas, trabalho, estudo e caridade pastoral criativa pulsante, Mornese era conhecida como a casa do Amor de Deus. Espaço educativo alicerçado na maternidade espiritual que educava para a esperança e a fraternidade.
Aliança pelo bem comum
Como em Mornese e Valdocco, carecemos reconstruir um novo tecido de comunhão fraterna como o Papa nos pediu na Encíclica Fratelli Tutti. A fraternidade tem os seus fundamentos na tradição, não apenas cristã, mas também humana. Então, estabelecer relações fraternas nos faz criar alianças para alcançar os mesmos objetivos e os mesmos meios, ou seja, o bem comum.
Neste sentido, a espiritualidade, como exercício da sensibilidade da consciência e do coração humano no seu relacionamento com Deus, com o ser humano e com a criação, poderá ser uma mediação que continua iluminando tal convivência na direção da busca de superação da decadência humano-ecológica.
Desse modo, a experiência de Deus subjaz uma profunda interpelação sobre a responsabilidade ético-moral do ser humano no contexto atual da crise humana e ecológica, isto é, a perversa realidade degradante dos pobres e o envelhecimento depreciativo do mundo criado.
Diante desses desafios, o carisma salesiano continua sua missão de mediar a relação catalisadora da fé e da ação para formar bons cristãos e honestos cidadãos. Carrega consigo uma dinâmica interior, que chamamos de amorevolezza, capaz de transformar até aquele jovem mais difícil, pois quem se sente amado, ama e alcança tudo, já dizia Dom Bosco.
Um pacto educativo pela educação nos leva a resgatar valores e inspirações que permitam um novo olhar e uma nova relação com a criação, para que as pessoas venham a combater o desrespeito à natureza e cultivem novos hábitos, gerando impactos sustentáveis positivos no planeta.
Educar a juventude implica educar as futuras gerações para novos horizontes e possibilidades, por meio da construção de novos projetos de sociedade para uma humanidade nova.
Embora Dom Bosco não tenha chegado a elaborar um sistema pedagógico completo em termos teóricos, adotou de forma reflexa nos seus escritos e experimentou de forma consciente no seu trabalho educativo entre os jovens elementos válidos e coerentes que lhe permitiram elaborar, no conjunto, uma proposta educativa articulada e unitária, inconfundivelmente sua e que nos deixou como herança.
Dom Bosco soube infundir nos jovens um clima de amizade, alegria, protagonismo, caridade fraterna e responsabilidade pela busca da perfeição. Hoje, quando olhamos para o Oratório de Valdocco, percebemos a experiência paterna e vital entre Dom Bosco e seus jovens.
Assumir no cotidiano a missão de formar bons cristãos e honestos cidadãos, segundo o coração de Deus, de Dom Bosco e de Madre Mazzarello, exige de cada um de nós renovar a nossa identidade de apóstolos e de evangelizadores, no espírito do "da mihi animas cetera tolle", devolvendo aos jovens e acompanhando-os na missão que lhes compete: serem protagonistas ativos de uma humanidade nova.
Ir. Celene Couto Rodrigues, FMA, é mestranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo, graduada em Geografia pela Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro e animadora Laudato Si credenciada pelo Movimento Católico Global pelo Clima. Atualmente é coordenadora de Pastoral da Obra Social Recanto da Cruz Grande em Itapevi, SP, e Green Líder da Don Bosco Green Alliance no Brasil.