Quem mais precisava ver Dom Bosco era o padre Rua, tesoureiro do Oratório; que se entenda por tesoureiro alguém que administra, sim, mas com frequência também sem tesouro. A crônica reproduz um pequeno e agradável diálogo ocorrido entre eles na presença do padre Lemoyne, do padre Barberis e de mais algum outro padre da casa. Dom Bosco disse ao padre Rua:
– Escuta, padre Rua: todos pedem dinheiro e me falam que você os despede de mãos vazias...
– Isto acontece, respondeu o padre Rua, por um simples motivo: o caixa está vazio.
– Sejam vendidos os papéis que ainda nos sobram; dessa forma se fará frente às mais prementes necessidades.
– Alguns já foram vendidos; mas vender os poucos restantes não me parece conveniente, pois cada dia chegam casos graves e imprevistos, e então não teremos um centavo à disposição.
– Bem, paciência, o Senhor então providenciará; mas por enquanto paguemos as dívidas mais urgentes.
– Quanto ao pouco dinheiro que temos, já fiz meus cálculos. Estou ajuntando para pagar uma dívida de vinte e oito mil liras que vence daqui a quinze dias.
– Mas não, isto é uma loucura... deixar sem saldar dívidas que podemos pagar hoje, para guardar a quantia que poderemos pagar daqui a quinze dias...
– Os pagamentos de hoje podem ser adiados; e como faremos, devendo pagar quantia tão alta?
– Então o Senhor providenciará. Comecemos a nos desfazer daquilo que temos... Manter em reserva dinheiro para futuras necessidades é fechar os caminhos da Divina Providência.
– Contudo, a prudência sugere que se pense no futuro. Não temos visto em outras ocasiões em que apertos estivemos? Tivemos que fazer segunda dívida para pagar a primeira. Este é o caminho que conduz diretamente à falência.
– Ouça-me. Se você quer que a Divina Providência cuide diretamente de nós, vá a seu quarto amanhã, tire para fora o que tem, sejam pagos todos os que der para pagar. Deixemos nas mãos do Senhor o que acontecerá depois.
Em seguida, dirigindo-se a todos os presentes, prosseguiu:
– Não consigo encontrar um ecônomo que me atenda inteiramente, isto é, que saiba confiar de maneira ilimitada na Divina Providência e não procure ajuntar algo para o futuro. Receio que se estamos tão apertados nas finanças seja pelo fato de querermos fazer cálculos demais. Quando nessas coisas entra o homem, Deus se retira.
Com tão grande confiança na Divina Providência, ele não desdenhava as iniciativas da diligência humana para procurar bens materiais. Uma das primeiras coisas que fez foi ocupar-se com uma loteria: imprimiu uma circular, distribuindo com ela bilhetes em quantidade e enviando pacotes aos Cooperadores, para que cuidassem da difusão. Depois quis que, para evitar fáceis desperdícios, fosse estudada uma maneira de haver na casa um centro único, do qual sairiam todas as decisões referentes a despesas...
As Memórias Biográficas estão recheadas de fatos que mostram a total confiança de Dom Bosco na Divina Providência. Eles vão das necessidades materiais para o sustento de tantas bocas no Oratório de Valdocco (Turim), passando pelas construções de novas obras, em especial a Basílica de Maria Auxiliadora em Turim e a do Sagrado Coração em Roma, ao financiamento das expedições missionárias... Por trás disso estava o seu gênio inventivo na criação dos Salesianos Cooperadores e o envolvimento de pessoas abastadas da época que não lhe deixavam na mão. Os Santos são assim!
Padre Osmar A. Bezutte, SDB, é revisor da nova tradução das Memórias Biográficas de São João Bosco (Editora Edebê).