Salesianidade

Madre Mazzarello e o Sistema Preventivo

Ir. Adair Aparecida Sberga
O Sistema Preventivo, concebido por diversos educadores do século XIX como uma das linhas mestras para a educação e praticado e difundido por São João Bosco, tem, também, uma história original e peculiar concebida na vertente feminina.

Quando, no dia 7 de outubro de 1864, Dom Bosco esteve em Mornese, norte da Itália, ele se deparou com Maria Domingas Mazzarello que, junto com Petronilla Mazzarello, desenvolvia uma obra educativa em favor das meninas pobres e desprotegidas do local. Conhecendo um pouco de seus trabalhos, o sacerdote logo intuiu que aquelas jovens, sobretudo Maria Domingas, realizavam uma atividade em autêntica sintonia com seu método e, com a especificidade própria da mulher, praticavam os mesmos princípios do seu sistema educativo. Isso atesta que o carisma salesiano foi suscitado por Deus tanto na vertente masculina, quanto na feminina.

Maria Domingas
desde pequena era dotada para o trabalho, tendo uma inclinação natural para ajudar e servir a todos que precisassem. São muitos os relatos de sua disponibilidade em favor da sua família e dos necessitados da vizinhança. Depois do tifo, contraído no atendimento às vítimas de uma grande epidemia, não cessou em Maria Domingas o desejo de se doar ao outro. Por um sinal do céu, intuiu a possibilidade de ensinar costura para as meninas e, junto com Petronilla, construiu um atelier de costura, com a pretensão de entretê-las e de dar-lhes uma educação humana e espiritual.

Durante essas atividades, Maria Domingas e Petronilla, com grande espírito de fraternidade, bondade e amor, proporcionavam àquele ambiente um clima de alegria, atenção, respeito, simplicidade e escuta, fazendo com que as meninas se sentissem acolhidas, protegidas e amadas. Instaurava-se, assim, uma proximidade entre elas, que envolvia a todas no calor da familiaridade, o que permitia que as meninas se expressassem com desinibição, espontaneidade e liberdade. Esse clima se tornou notório e apreciado pelo vigário, padre Pestarino, e por aqueles que conheceram o atelier e as atividades ali desenvolvidas.  

Na implantação do atelier de costura, disse Maria Domingas a Petronilla: “Aceitaremos alguma menina que queira aprender a costurar. Vamos ensinar, mas é preciso ficar bem claro que o fim principal é afastá-las dos perigos, ensinar-lhes o bem e, principalmente, a conhecer e amar o Senhor” (Cronistória I, p. 89). Eram também esses os objetivos das obras de Dom Bosco, atestando que mesmo antes que Maria Domingas o tivesse conhecido, já havia uma conformidade entre o Sistema Preventivo praticado por Dom Bosco e aquele praticado em Mornese, intitulado de “espírito de Mornese”.

As meninas sentiam que Madre Mazzarello, mais que uma superiora que impõe regras e disciplinas, era uma religiosa bondosa, que acolhia com amor materno cada educanda com suas necessidades, imperfeições e qualidades. O que estava em primeiro lugar não era uma determinação a ser cumprida, mas era antes, a pessoa a ser acolhida, amada, respeitada e valorizada, segundo suas próprias características.

O clássico princípio do Sistema Preventivo de “fazer-se amar mais que temer” é o que foi se consolidando naquela comunidade mornesina e se enraizando na identidade feminina das educadoras. Neste sentido, “Madre Marina Coppa, conselheira-geral para os estudos nos anos de 1900 a 1928, recomendava às educadoras: ‘Não temos que ter medo de nos aproximar das meninas, [...] devemos lhes fazer atos de bondade e de interesse materno’.” [Ruffinatto, P. Il Sistema Preventivo nell’Istituto delle FMA, p. 11-12). Devido a isso, as Irmãs deixavam transparecer, em suas atitudes, a identidade da mulher solidária, o que também se pode constatar por meio da expressão de Ir. Maria Teresa Papa, dita pouco antes da sua morte: “Sejam boas para as meninas! Para nós a dor, para as nossas educandas a alegria.” (Idem, p. 12). Por meio dessas atitudes é que foram se construindo as relações pessoais autênticas e saudáveis, as quais eram motivadas por uma forte paixão educativa e pelo desejo de ter os mesmos sentimentos e atitudes de Jesus.

É por isso que, para o fundador das FMA, o importante era que as Irmãs estivessem sempre em contato com a juventude e, ao mesmo tempo, se preparassem adequadamente para a atividade pedagógica.

Protagonismo feminino de Mornese
Narram as fontes biográficas que Dom Bosco conhecia muitas religiosas e congregações femininas da sua época, mas nenhuma lhe causou tanto interesse como aquele grupo das Filhas de Maria Imaculada de Mornese. Desde que as encontrou, reconheceu suas potencialidades e riquezas, valorizou as atividades educativas que desenvolviam e incentivou o protagonismo feminino que praticavam com dinamismo e alegria. Sentindo o apelo forte que pulsava em seu coração, logo compreendeu que aquele seria o grupo ideal para ele fundar uma congregação que cuidasse das meninas.  

Assim, junto com Maria Domingas, em 1872, ele fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, o qual acompanhou de perto, porém sempre com discrição e respeito, sem lhes impor uma formação para religiosas segundo modelos pré-determinados. Ele confiava na competência daquele grupo e lhes deu autonomia para que, elas mesmas, delineassem uma fisionomia própria para a nova Congregação. Elas foram, então, traduzindo o carisma salesiano ao feminino em fidelidade ao fundador e, ao mesmo tempo, constituindo uma identidade própria, mas era – como definem os estudiosos da história do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora – uma “fidelidade criativa”, com um perfil original de religiosas.

Essa liberdade moral dada às religiosas não significa que Dom Bosco não se preocupasse em dar uma concepção definida ao novo Instituto. Desejava, sim, que as suas Irmãs fossem desinibidas, seguras, simples, alegres e que tivessem um verdadeiro espírito religioso, capaz de impactar as jovens. Mas, acima de tudo, queria que elas tivessem uma identidade religiosa reconhecida perante a Igreja Católica e a sociedade, sendo mulheres inseridas no contexto social e cultural.

No entanto
, não foi ele quem formatou a nova estrutura religiosa para o Instituto que surgia e nem foi ele quem projetou como seriam suas instituições educativas. Ele acompanhou e possibilitou mediações para que as próprias Irmãs chegassem a essas definições, a partir da versão feminina do carisma salesiano. Assim, as FMA não são só outras seguidoras do carisma; antes, são chamadas por Deus para complementar o carisma com a especificidade singular da mulher.

Como as meninas moravam junto com as Irmãs no início do Instituto, a comunidade religiosa e a educativa se unificaram e o modo de ser das religiosas era a fonte mais significativa de ensinamentos para as meninas, sendo que com elas as Irmãs também aprendiam e podiam moldar o próprio temperamento e caráter, de modo a expressar gestos de maternidade, doçura, bondade, flexibilidade, sensibilidade, acolhida incondicional, delicadeza nas pequenas coisas, cuidado, percepção do belo, atenção às particularidades.

Piera Ruffinatto atesta que, na concepção de Dom Bosco, “o Instituto teria garantia de futuro se as Irmãs conquistassem, progressivamente, a identidade de educadoras, se manifestassem o entusiasmo e a dedicação no fazer o bem às jovens” (Il Sistema Preventivo nell’Istituto delle FMA, p. 42). É por isso que, para o fundador das FMA, o importante era que as Irmãs estivessem sempre em contato com a juventude e, ao mesmo tempo, se preparassem adequadamente para a atividade pedagógica. Para ele, há uma simbiose entre a identidade da religiosa e a da educadora, e é na harmonia entre essas características que se forma o ser da salesiana. No entanto, só depois da canonização de Madre Mazzarello, pelo papa Pio XII, em 1951, é que o Instituto começou a reconhecê-la como educadora e modelo educativo para as Irmãs Salesianas.

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