O padre salesiano José Benedito Araújo de Casto, mais conhecido como padre Bené, tem 75 anos de idade e mais de meio século de vida salesiana dedicada à juventude na região da Amazônia. Nesta entrevista, ele fala sobre a sua vocação, o que impactou em sua opção pela proposta salesiana, as atividades mais significativas no serviço aos jovens, o trabalho conjunto com outros ramos da Família Salesiana e o que percebe hoje como essencial para os que iniciam a caminhada como salesianos consagrados. Um rico testemunho vocacional, “ao estilo de Dom Bosco”. Confira!
Quando conheceu os Salesianos? O que o impactou na opção da vida salesiana?
Padre José Benedito Araújo de Castro (Pe. Bené) - Meu conhecimento dos Salesianos de Dom Bosco (SDB) foi como um segundo movimento da maré: o primeiro movimento foi o encontro com os missionários redentoristas norte-americanos que chegaram ao meu bairro em 1948, dois meses antes do meu nascimento. Até meus 12 anos, meu único horizonte eclesial foi a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Bairro do Telégrafo, em Belém, PA.
Meu encontro com os salesianos foi o segundo e melhor movimento da maré: meu pároco, padre Marcos Scott, diante do meu desejo vocacional e do meu empenho nas atividades paroquiais entre os colegas da catequese e coroinhas, sugeriu que eu fosse encaminhado ao único seminário da região metropolitana, na época, que era dos salesianos.
Numa primeira impressão, vi que, tal como os meus amigos redentoristas, os salesianos do Aspirantado de Ananindeua, PA, se dedicavam o máximo para que adolescentes e jovens seminaristas estivessem sempre com espírito tranquilo, apesar da dura carência material que vivíamos. O primeiro impacto foi o encontro com o primeiro salesiano que conheci na vida: o irmão coadjutor Ludovico Fava, na época com seus 80 anos. Os três padres da comunidade estavam em uma reunião em Belém e os dois assistentes estavam acompanhando os internos em um banho de rio. Fui apresentado ao senhor Fava, ele me olhou sério e me disse: seja bem-vindo! E depois sorriu. Nunca esqueci a força daquele sorriso!
Um impacto especial veio dos salesianos assistentes (Rafael Pinzón Rueda, Joaquim Gomes Fregoso e Joaquim Machain) que estavam sempre entre nós, nos esportes, nos serviços domésticos, nos trabalhos da lavoura, nas aulas, nos ensaios de teatro. Aquela presença fraterna e amiga foi o caminho que me cativou definitivamente. Com os redentoristas, eu aprendi o ABC e, com os salesianos, aprendi a beleza e a importância de um projeto educativo-evangelizador. Foi como um salto de trampolim.
Quais atividades mais significativas você teve com jovens?
Pe. Bené – Quando era padre recém ordenado (1981), fui levado pelo ativismo pastoral. Naquela época, nem a obra, nem a Inspetoria falavam de Plano Pastoral. A criatividade pastoral era ditada pelas necessidades e provocações imediatas dos jovens. Como fruta verde, fui amadurecendo aos poucos...
Dentre as atividades por mim animadas, destaco aquelas que mais incentivaram e acolheram o protagonismo juvenil, como o acompanhamento dos líderes de turma; a criação do primeiro jornal interno do Colégio do Carmo, em que os repórteres eram os jovens; os três acampamentos anuais com catequizandos de Pré-crisma (um só com meninos, outro só com as meninas e um terceiro com grupo misto) na Paróquia de Santa Teresinha; a Mostra de Teatro Jovem no Colégio Salesiano do Carmo, realizada durante oito anos e, em outros formatos, durante três anos em Manaus e um ano em Porto Velho e em São Gabriel da Cachoeira. Esta Mostra tinha como tema permanente a Amazônia, o que, no início da década de 1980, ainda não era temática tão candente como hoje.
Lembro ainda da Semana de Arte Sacra Juvenil, da Semana da Cultura, do Jejum Jovem, da Caminhada Jovem que acontecia no tempo da Páscoa, na Paróquia São José, em Ji-Paraná e do incentivo à participação nas atividades promovidas pela Pastoral Juvenil em Belém, Manaus, Porto Velho, Ji-Paraná, entre tantas outras. O então tirocinante salesiano João Mendonça Filho testemunhou algumas destas atividades.
Só mais tarde fui desaprendendo o ativismo e aprendendo de forma gradual, mas consciente, o caminho da pastoral de processos. Não foi fácil passar de educador agitador para educador animador. De educador estrela, para educador caminhante.
Você foi delegado da Pastoral Juvenil na Inspetoria de Manaus. O que ficou de aprendizado?
Pe. Bené - Numa longa aprendizagem, fui intuindo que o segredo de uma animação realizada por um adulto se alimenta do seu conhecimento e da sua convivência com os mundos e as culturas dos que são animados. Nem sempre foi tranquilo meu esforço para não decepcionar os jovens, combatendo, com firmeza, minhas contradições de vida religiosa e sacerdotal.
Descobri, como determinante na Animação pastoral, o empenho contínuo de buscar a parceria educativa com educadores adultos, lideranças das comunidades, professores, com grupos da Família Salesiana (de modo especial, com as Filhas de Maria Auxiliadora os Salesianos Cooperadores) e com outros educadores também presentes nas caminhadas dos jovens, como os Irmãos Maristas, as Irmãs Preciosinas, as irmãs Dorotéias e os Jesuítas.
Nas minhas buscas, um ponto decisivo foi a sintonia com as diretrizes das Igrejas locais e os indicativos da então Pastoral da Juventude do Brasil, sem esquecer os esforços da nascente da Articulação da Juventude Salesiana (AJS), com quem caminhei em seus primeiros passos.
Foi de especial apoio espiritual procurar viver permanentemente interagindo com adolescentes e jovens, escutá-los, procurando eliminar as distâncias, celebrar a vida, passear, cantar, ir ao cinema, ir a shows de MPB e buscar sempre novas propostas de encantá-los com a mensagem de Jesus Cristo.
Podemos fazer uma analogia com Dom Bosco, que dizia aos jovens: por vós trabalho, por vós estudo... Você também pode dizer que procurou fazer o mesmo?
Pe. Bené - Quando falei de ativismo pastoral, me parece que o meu ritmo de trabalho foi o de uma corrida de cavalos. Meus primeiros 10 anos de sacerdócio aconteceram numa escola que tinha 2.500 alunos em três turnos. Além do corre-corre diário, sempre procurei manter-me atualizado na mais recente bibliografia sobre as juventudes. Mas o melhor estudo e o melhor trabalho foram as convivências com os jovens, provocando-lhes o protagonismo, rezando com eles, preparando-lhes a participação às grandes celebrações litúrgicas, passeando com eles, celebrando os seus aniversários, sendo confidente de suas mazelas, de suas angústias. Daí que durante 10 anos e anos depois, em outros ambientes, os jovens me chamavam somente de Bené.
O que diria às novas gerações de salesianos?
Pe. Bené - Cada pessoa, cada animador de Pastoral faz seu caminho pessoal em circunstâncias bem diferentes. Receitas não as tenho, mas nada custa partilhar:
Em primeiro lugar, mergulhem, com muito estudo pessoal e comunitário, sobre as sempre novas culturas juvenis. Mas esta aproximação deve sempre ser protagonizada por toda uma Comunidade Educativo-pastoral.
A proximidade e a amizade nos motivam em nosso caminhar. Que lutem contra a tentação de se nivelar às mediocridades que afetam muitos jovens.
Que amem a música como linguagem que sempre atinge o coração dos jovens.
Que evitem se aproximar dos e das jovens com “cara de chuchu”. A espiritualidade salesiana nos convoca a viver como educadores de bom humor, viver em contagiante alegria.
Que recuperem o desafio feito por uma canção conhecida: “cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz” (Gonzaguinha).
Chego a esta minha idade de velhice pensando que eu poderia ter feito muito mais para a construção de uma proposta de uma educação à vida de oração, que certamente supera recitar conhecidas expressões oracionais ou, como disse um educador salesiano espanhol: “A cada dia, Deus vem ao encontro dos jovens, e lhes fala com novas e belas canções, mas pode acontecer que nos preocupemos que eles respondam com orações decoradas e tradicionais”.
E concluo com o apelo do humanismo otimista salesiano, segundo uma expressão de Dom Bosco: “Em todo jovem, mesmo no mais infeliz, há um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é buscar esse ponto, essa corda sensível do coração, e tirar bom proveito”. Tentei e ainda tento viver e praticar esta maneira evangélica de acolher os jovens!