Memórias Biográficas

A humildade de Dom Bosco – parte III

Pe. Osmar A. Bezutte, SDB

O volume XIV das Memórias Biográficas (p. 395-6) fala de Dom Bosco nos anos 1879-1880. Nessas alturas já era grande o conceito que se tinha de sua santidade, que iria crescendo mais ainda nos anos seguintes. Porém, vemos também crescer nele a humildade.

É desse período uma particularidade reveladora, anotada por seu secretário, padre Joaquim Berto. Padre Berto, convém que se saiba, era pessoa muito simples e incapaz de procurar ou utilizar fórmulas mesmo que de longe parecessem adulação. Numa ocasião, Dom Bosco lhe disse:

– Olha, padre Berto, desejaria que você anotasse tudo o que observar de defeituoso em mim e me falasse.

– De preferência, lhe observou o outro, deveria ser o senhor a fazer isso a meu respeito.

– Não, não, rebateu Dom Bosco; gostaria que você notasse tudo o que é criticável em mim e dissesse.

Padre Berto, vendo que ele falava seriamente, disse-lhe:

– Está bem, se o senhor quer mesmo que eu faça isso, promete-me que fará o mesmo comigo.

– Sim, sim, está bem; comece desde agora em que coisas lhe parece que devo corrigir-me.

– Se de verdade deseja isso, eis o que observei no senhor e que me parece precisaria corrigir-se. Porém, repare, são coisas de nada.

– Quais, por exemplo?

– Quando fala ou conta familiarmente algum fato, tem o hábito de repetir quase em cada frase as palavras mas ou digo que, que não têm nenhum sentido na fala. Sinto pena ao ouvi-lo, não por causa de mim, mas por causa dos outros que o ouvem.

– E outras coisas?

– Uma outra coisa é que, na celebração da missa, depois do Confiteor (Ato Penitencial), ao dizer indulgentiam, absolutionem et remissionem peccatorum, em vez de nostrorum, às vezes diz vestrorum e tribuat vobis em lugar de tribuat nobis.

Dom Bosco ouvia de cabeça inclinada. Depois, sorrindo insistiu: – Que mais?

– Além disso, vi que ao fazer a purificação do cálice, a faz gorgolhar um pouco na boca antes de engoli-la como faria alguém para enxaguá-la. Esse ruído é ouvido por todos os que estão ao redor, e causa em mim desagradável impressão. Parece-me ser um defeito, e como quero muito bem a Dom Bosco, gostaria que deixasse tal hábito. Agora peço-lhe perdão se falei com demasiada liberdade.

E Dom Bosco:

– Só essas coisas? Eu gostaria que me apontasse defeitos graves.

– De momento
, nada mais tenho que observar-lhe. No futuro, se desejar, percebendo algum defeito no senhor, não deixarei de falar, pois estou mais interessado em sua honra do que na minha. Sabe bem, como diz Salústio, que nos grandes homens, até as mais leves faltas, defeitos e imperfeições, para o povo são delitos graves.

A correção fraterna é evangélica (cf. Mt 18,15-20).
A Imitação de Cristo (cf. cap. II) diz: “Quem se conhece bem, despreza-se e não se compraz em humanos louvores… Oh, meu Deus, quantas vezes amigo de mim e, esquecido de vós, me esvaeço com os fumos do mundo! Dai-me, Senhor, o verdadeiro espírito de humildade, a fim de que sendo, no mundo, o último dos homens, possa entrar com os primeiros no reino de vosso divino Filho no céu. Amém!”.

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