O anúncio do Evangelho, na Igreja dos primeiros séculos, seguia um itinerário mistagógico, ou seja: uma educação à fé que levava ao Mistério de Cristo, a cruz redentora. A principal preocupação e meta era expor o significado dos ritos e símbolos sacramentais, não o sacramento propriamente dito. Isso constituía o querigma, ou o primeiro anúncio. Nos últimos anos, a Igreja retomou esse processo catecumenal.
Meu objetivo com esta série de artigos sobre o projeto de vida é apresentar como a iniciação cristã pode ajudar os catequizandos a inserir no cotidiano o sentido de ser discípulo missionário de Jesus no mergulho do Mistério. A catequese é educação da fé na fé; portanto, dom recebido, celebrado, vivido, compreendido, anunciado, como testemunho de vida coerente no pensar, julgar e agir à luz do Evangelho.
O Mistério querigmático do rito
Não é muito comum a nossa catequese fazer a vivência dos ritos litúrgicos. Algumas vezes nos perdemos nas explicações e nos ensaios de realização de sacramentos, mas raramente, ouso dizer, ajudamos os adultos, jovens e crianças a fazerem uma experiência dos ritos, ou seja: palavras, gestos e símbolos que expressam profundos significados por si.
Com isso, a catequese se transforma numa aula, num raciocínio que busca provar doutrinas, o que chamamos de apologia. Mas não suscita a experiência do Mistério que está no rito. Por exemplo: o fato de nós católicos fazermos o sinal da cruz. Isto é um rito, mas o que significa? Por que o fazemos quando iniciamos uma celebração, um encontro de catequese ou quando passamos na frente de uma Igreja?
Dizem que Santa Cecília, ao ser degolada, conseguiu deixar os dedos em forma de três, professando assim a Santíssima Trindade. Isso é um rito, um gesto que manifesta a interioridade da pessoa, o que ela assimilou. Por isto, somente após a realização do rito é que a pessoa poderá ser iniciada a entendê-lo. O ato de compreender é o que chamamos de mistagogia, quer dizer: a compreensão do gesto celebrado.
Mistério querigmático dos símbolos sacramentais
O símbolo, o nome já diz, representa ou sugere aquilo que não se vê. Podemos dar como exemplo a vela. Uma vela apagada não serve para nada; já a vela acessa produz luz e orienta o caminhar na escuridão. Quando usamos a vela na liturgia da Igreja, ela manifesta a luz que é Cristo: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não andará nas trevas” (Jo 8,12). Luz que recebemos no Batismo para sermos luz. O Círio Pascal, abençoado solenemente na Vigília de Páscoa e aceso com o fogo novo, é o símbolo do Senhor ressuscitado que brilha durante todo o período pascal. Isto não quer dizer que o Círio é Jesus, mas que nos leva a Ele e à sua presença que ilumina a escuridão da morte.
Podemos também entender melhor o uso da água na liturgia. Nosso corpo precisa de água, as plantas precisam de água. Porém, quando usamos a água como símbolo da purificação no Batismo e na aspersão penitencial, ou a água benta, passamos da matéria em si e vamos ao encontro das palavras de Jesus à Samaritana: “Aquele que beber desta água jamais terá sede!” (Jo 4,14). Neste momento, a água que escorre no corpo daquele que foi batizado ou que é aspergida, torna-se manifestação da graça de Deus que cai na terra para fecundá-la. Ao refletir sobre ela o cristão entende que a experiência vivida é água que brota da rocha para fecundar e purificar a existência.
Mistério querigmático da presença de Jesus Cristo
São Cirilo de Jerusalém, um dos grandes mistagogos do século IV, percebia muito bem que um símbolo-ritual só é compreendido depois de vivido. É um equívoco explicar o rito antes de experimentá-lo. Isto significa que há um mistério, no sentido de algo escondido, não totalmente revelado, mas sentido. É preciso sentir o rito para entender que Jesus está presente nas palavras, nos gestos, nas pessoas e nas fórmulas.
Na medida em que o catequizando é ajudado a realizar o ritual, ele vai saboreando a realidade que está ainda no segredo, mas que já se revela no ato em si. É aquilo que os Evangelhos retratam nas passagens que ficaram marcadas, por exemplo, quando Jesus encontra os primeiros discípulos: o fato foi tão profundo na vida deles que ficou registrado por João, que conta: “era por volta das quatro horas da tarde” (Jo 1,39b), ou ainda, quando Jesus caminha sobre as águas e aquele fenômeno foi tão impactante que João afirma: “pelas três horas da manhã” (Jo 14,25). O que isto significa? Trata-se de um anúncio salvífico que marcou profundamente a vida da pessoa e torna-se elemento constitutivo de sua adesão a Jesus. Sem esta realidade do Mistério, o anúncio não penetra na vida e permanece como um verniz.
Atrevo-me a dizer que nossas catequeses não chegam a tocar a pessoa em profundidade, acabam sendo mais apologia que adesão “ao nome, à doutrina, à vida, às promessas, ao reino, ao mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, sem o qual não haverá nunca evangelização verdadeira” (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n.22).
O projeto pessoal de vida de um cristão precisa de uma adesão a Jesus para ser caminho para o Pai e suas opões – “verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e sobre o seu misterioso destino e verdade sobre o mundo de suas reflexões” (Evangelii Nuntiandi, n. 78) – e vida que amadurece e se abre para o Reino definitivo. Na sequência, trataremos do catecumenato para ser discípulo missionário de Jesus Cristo.
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.