Esse é o título da última carta encíclica com a qual o Papa Francisco presenteou os cristãos e todas as pessoas de “boa vontade” no término de um ano difícil, como foi aquele que será lembrado pela pandemia da Covid-19, que atingiu o mundo todo. Ao iniciar sua reflexão com um convite à unidade e à solidariedade, o Papa – de modo muito especial – nos propõe um caminho de superação das barreiras do egoísmo, das ideologias, dos pensamentos travados pelo preconceito e pela discriminação, que impedem de nos aproximarmos do nosso próximo de coração aberto.
Nenhum interesse político, econômico, científico, social ou religioso pode estar acima da dignidade de toda pessoa humana. O que o Papa quer que tomemos consciência é do “quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância”. Todos estamos no mesmo patamar de importância e dignidade.
Aqui não vamos entrar nas importantes questões trazidas pelo Santo Padre no que se refere ao neoliberalismo econômico. Nem tampouco às justificativas trazidas pelos que o defendem, para explicar uma política que quer deixar para trás os pobres e os que vivem à margem da sociedade. Para aprofundarmos tais questões, vale a pena ler e refletir tudo o que está contido no inteiro teor da Carta Encíclica Fratelli Tutti e, então, compreendermos a abrangência do convite que o Papa faz a toda a humanidade, àqueles que detêm o poder político e econômico, e a cada um de nós, que, pelo batismo, levamos o nome de cristãos e temos no Evangelho o nosso programa de vida.
O Bom Samaritano
De forma mais próxima a cada um de nós, podemos refletir a partir da parábola do Bom Samaritano, que o Papa Francisco traz do Evangelho e, com a qual, nos convida para uma atitude civil e cristã voltada à caridade e ao perdão, lembrando-nos das dívidas que carregamos pelas injustiças cometidas ao longo da história. Assim se expressa o Santo Padre: “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos dum lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que afetarão todo o planeta” (137).
Para o que aqui trazemos, podemos recordar ainda a afirmação de Cristo, colocando como lei suprema o amor e nos pedindo para amarmos até mesmo nossos inimigos. Todos, absolutamente todos os seres humanos, somos filhos e filhas de Deus. Nada, portanto, pode servir como justificativa para nos fecharmos em argumentos que nos levem a acreditar que podemos encontrar razões ou explicações para excluir qualquer pessoa humana do nosso coração, da nossa atenção ou do nosso cuidado.
Todos merecem e precisam ser salvos
Seguir Jesus Cristo, e nos colocarmos entre os seus apóstolos e discípulos, nos compromete com a mesma missão que o Pai delegou ao Filho Jesus, que afirma: “A vontade do meu Pai que está nos céus é que não se perca nenhum daqueles que ele me confiou”. Deus não confiou alguns, ou esse, ou aquele, à obra da salvação inaugurada pelo seu Cristo, mas entregou a Ele toda a humanidade. Todos merecem e precisam ser salvos, todos precisam experimentar o amor que Deus tem a cada um de nós, seus filhos e filhas. Todos precisam, por meio de nós, reconhecer sua dignidade de filho e filha de Deus e fazer a experiência do amor do Pai.
Aos que pertencem à Família Salesiana, por consagração ou por afinidade com o carisma de Dom Bosco e Madre Mazzarello, acrescenta-se ao compromisso mencionado acima, a afirmação do Santo que é pai e mestre dos jovens, quando dizia aos seus filhos e seguidores: “O Senhor colocou-nos no mundo para os outros!”.
Nesses outros, cabe um olhar particularmente atento às crianças, aos adolescentes e aos jovens e suas famílias, em especial aos que estão vivendo em condições de grande pobreza e marginalização. Na prática evangélica que Dom Bosco procurou viver, eles ocupavam um lugar de predileção. Assim, devem ocupar um lugar especial para nós que – no seguimento de Jesus Cristo – nos movemos inspirados no ardor apostólico de São João Bosco.
Praticar a solidariedade
Quanto à forma de viver e praticar a solidariedade, bem como de ir ao encontro dos mais necessitados, Papa Francisco também nos orienta. No número 191 da sua carta ele nos convida a nos comprometermos “a viver e ensinar o valor do respeito, o amor capaz de aceitar as diferenças, a prioridade da dignidade de todo ser humano sobre quaisquer ideias, sentimentos, atividades e até pecados que possa ter”. E mais ainda, num mundo marcado frequentemente pela indiferença ou por confrontos violentos, ele nos diz que “há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo do povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialogam de modo construtivo suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e tecnológica, a cultura econômica e familiar, e a cultura dos meios de comunicação” (199).
Tudo o que nos propõe o Santo Padre encontra eco no Projeto Educativo Pastoral Salesiano e na busca da transformação que se deseja alcançar para a vida de cada criança, cada adolescente e cada jovem que chega às obras e/ou presenças sociais animadas pelos filhos e filhas de Dom Bosco e Madre Mazzarello. Por certo, sabemos que sozinhos podemos pouco, mas carregamos a crença e a certeza de que, tendo ao nosso lado homens e mulheres, jovens e velhos, cristãos e não cristãos que caminham juntos, imbuídos do mesmo desejo de construir um mundo melhor, será possível alcançar essa grande meta: nos reconhecermos TODOS como IRMÃOS.
Que em 2021 consigamos mostrar que somos mais fortes que o vírus que tem nos ameaçado. Somos mais fortes, não porque a ciência nos trouxe uma vacina, mas porque “todos juntos”, no amor e na solidariedade, podemos muito mais.
Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).