Certa vez, conversando com uma criança de 5 anos, ela me disse que estar em um jardim, cheio de flores com borboletas voando, tem cheiro de doce e se percebe que Deus está perto. Dizia, entusiasmada, que entrar no mar é tão divertido mesmo brincando ali no raso. Mas a brincadeira fica melhor quando o papai a segura e a leva para o fundo, para mergulhar e pular ondas, pois o mar é tão grande que recebemos um abraço de Deus.
Nesse simples relato, percebemos o quanto, desde pequenos, fazemos um encontro com o transcendente através da criação. É nos pequenos detalhes que sentimos o abraço, a presença, o olhar, a criatividade e a imensidão do amor de Deus para cada um de nós.
Se, como crianças, nos permitirmos ampliar nossa capacidade de imaginar, poderemos ouvir o barulho das ondas, o cantar dos pássaros, vozes entusiasmadas, a textura das folhas e flores, da areia da praia e de tantas outras coisas, mesmo nas grandes cidades. Esse é o caminho para ampliar nossa capacidade sensitiva, para ouvirmos o coração de quem está perto de nós.
A transformação de dentro para fora
Cenas como essas não são restritas apenas a quem mora em áreas verdes. Esse desejo de ser parte da criação está em nossa verdadeira essência, pois é uma saudade constituinte do nosso ser. Lembremos de que somos terra, não a Terra inteira, mas aquela porção que pensa, sente e age (LS93).
Nos últimos 365 dias, vivenciamos intensamente o Ano Laudato Si, proposto pelo Papa Francisco. Um convite para nos abrirmos ao cuidado com a Casa Comum. Lembremo-nos de que o vivenciamos em tempos de pandemia da Covid-19, e que estávamos, na maior parte desse tempo, vivendo isolados, em quarentena em nossas casas.
Poderíamos até pensar que as propostas para esse ano não foram bem vivenciadas por estarmos em isolamento social. Contrariamente, essa pandemia nos mostrou que a transformação deve acontecer de dentro para fora. O confinamento social é uma espécie de exercício existencial para todos nós, seres humanos, nos perguntarmos: Quem somos? Como nos relacionamos? Que expectativas temos de um mundo diferente?
Somos seres de relação
Mais do que nunca ouvimos o grito da Terra totalmente atingida e devastada, sentimos o quanto estamos interligados não apenas através dos transportes e da comunicação, mas também em nossas vulnerabilidades.
Em essência, somos seres de relação, de profunda colaboração, de solidariedade, do cuidado com nós mesmos e com tudo que nos cerca. Temos um imperativo ético de cuidar da herança sagrada que recebemos de Deus; cuidar e guardar esse Jardim do Éden que é nossa Casa Comum. Como filhos espirituais de Dom Bosco e Madre Mazzarello, educadores/sonhadores, podemos falar de uma EcoSalesianidade, que consiste no estilo salesiano de cuidar da Casa Comum.
Educamos e evangelizamos para a transcendência, pois o processo educativo é a chave de toda transformação e permite que uma ideia se torne conhecimento, que o conhecimento se torne habilidade, que uma habilidade se torne ação, que a ação se torne hábito e que um hábito se torne virtude. Sendo a educação coisa do coração, deve ser revolucionária. Portanto, tudo está interligado (LS177) através de pontos de amor a Deus com as linhas bordadas nos tecidos da razão, da religião e da amorevolezza.
Sistema Preventivo hoje
Formar bons cristãos e honestos cidadãos é o objetivo do Sistema Preventivo. Hoje, no contexto da globalização e do pluralismo socioeconômico, político e cultural, essa proposta é desafiadora.
Ser honesto cidadão significa respeitar as leis e regras estabelecidas para a convivência em sociedade. Trata-se também de ser justo nas relações sociais, colaborar com a vida da comunidade, ter interesse pelo bem comum, ser responsável e agir de modo sustentável. Já, ser um bom cristão tem relação com a fé na transcendência ou na humanidade em geral. O bom cristão respeita e ama o seu próximo e acredita em valores e direitos universais que promovam a vida.
Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco não esconde sua preocupação sobre a sucessão da família humana (LS13), nos interpela a pensar em qual mundo queremos deixar para as gerações futuras (LS21) e nos encoraja a trilhar uma travessia de desenvolvimento sustentável e integral.
O ano celebrativo da Encíclica Laudato Si chega ao fim, mas, uma vez conscientes da nossa missão de guardiões da criação (LS71), como Família Salesiana, devemos nos empenhar em formar as próximas gerações, presenteando a sociedade com as sementes do tipo de mundo que sonhamos para os que ainda irão chegar. Que Deus nos dê a graça de cultivarmos em todos que passarem por nossas mãos, a sensibilidade integral de uma criança de 5 anos. Eis a nossa missão!.
Ir. Celene Couto Rodrigues, FMA, é mestranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo, graduada em Geografia pela Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, animadora Laudato Si credenciada pelo Movimento Católico Global pelo Clima e Green Líder da Don Bosco Green Alliance no Brasil. Atualmente é coordenadora de Pastoral da Obra Social Recanto da Cruz Grande em Itapevi, SP.