A expressão “prefiro o paraíso” brotava do coração de Filipe Néri, cheio do Espírito Santo. Alguns testemunhos sobre ele afirmam que o peito de Filipe, exatamente no coração, tinha uma protuberância, como se o seu coração quisesse sair do peito, sobretudo, quando ele falava sobre as Escrituras. Um coração “como as areias do mar”, como cantamos num canto a Dom Bosco que, inspirado em Filipe, tinha o coração grande de afeto e amor aos jovens.
Como iniciamos no primeiro artigo, a vida do jovem leigo Filipe Néri foi marcada pela busca sincera da Palavra de Deus e do conhecimento teológico, cujos frutos foram sua maturidade na fé e seu testemunho de amor à Igreja. Evidencio agora outros elementos dessa identidade laical.
Serviço aos irmãos e irmãs
Lendo e meditando as Escrituras, Filipe encontrou a chave da compreensão da liberdade. Em Gálatas 5,1.13-18, temos uma clara reflexão sobre o significado do serviço que, com certeza, não ficou alheio ao olhar contemplativo de São Filipe Néri. Paulo, diante do grupo de judaizantes que queriam obrigar os cristãos a se sujeitarem à Lei antiga, afirma que em Cristo somos livres do jugo da Lei e que o amor ao próximo é o fundamento do seguimento de Jesus Cristo. Ser realmente livre é deixar-se conduzir pelo Espírito e não pelos desejos da carne. Essa liberdade, capaz de deixar tudo e ser missionário do Reino, foi a chave hermenêutica de Filipe para mover sua vida em direção à missão e ao encontro com os mais pobres de seu tempo.
No contato com adultos e jovens, Filipe Néri mostrava a alegria de servir, a esperança para superar os conflitos, a fé para avançar para águas mais profundas. O leigo consciente de sua dignidade batismal é um sujeito carismático, quer dizer, movido pela Trindade, na diversidade das três pessoas, porém, na comunhão de fé e amor, pois a cada um é dado o dom para agir no corpo de Cristo que é a Igreja (1 Cor 12,7).
A diversidade de dons, portanto, não empobrece a comunhão eclesial. Ao contrário, enriquece a missão (CNBB, 2017, 151). Neste sentido, o cristão leigo, mergulhado na sociedade, é uma presença que ergue os caídos, anuncia a salvação e transforma as estruturas injustas. É uma missão que brota do coração que exulta em Deus, assim como o de Filipe Néri.
Permanecer no seguimento de Jesus
Para seguir Jesus, além do chamado e do despojamento, é preciso entender que não há vida cristã sem a cruz. Ou seja: não há como fugir das realidades temporais para querer encontrar a Deus na bonança de uma religiosidade intimista, individualista e sem encarnação na realidade (CNBB, 2017, 184). É preciso permanecer com o pé na realidade e o coração no paraíso, como dizia Filipe Néri.
O paraíso é entendido não como um prêmio para os bonzinhos, mas como construção das ações que sabem reconhecer a presença salvadora de Deus na história e anunciam profeticamente o amor salvífico de Deus.
Então, o cristão leigo alimenta sua espiritualidade nas Escrituras e na Eucaristia, assim como soube vivenciar Filipe Néri no século XVI. No espaço interior do encontro com Deus, o cristão integra coração e consciência de discípulo e missão, tornando visível em seus atos e palavras a presença do Mestre Jesus. Nesse encontro com Jesus, o cristão participa do Mistério Trinitário, fonte de vida de comunhão que é o antídoto contra o vírus do egoísmo, da intolerância, do racismo, da autorreferencialidade etc.
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.