Missões

Sinais de esperança nas missões com os povos indígenas

A vocação missionária salesiana é, em si, a proposta de ser sinal de esperança em realidades e culturas diversas. No Brasil, um dos exemplos dessa vocação é a ação salesiana junto aos povos indígenas Boe-Bororo e Xavante, no Mato Grosso.
Com informações: Euclides Fernandes e Monique Bueno – MSMT e Inspetoria Salesiana de São Paulo

“Desde 1894, os missionários salesianos atuam no Mato Grosso. Especialmente, desde 1895, com o Povo Bororo e, a partir de 1952, com o Povo Xavante. Os Bororo, que se autodenominam Bóe, possuem uma população de quase 2 mil pessoas, contendo cinco terras demarcadas, sendo duas em processo de reintegração de posse devido às vendas à revelia da lei. Enquanto isso, o Povo Xavante, que se autodenomina Akwê, possui sete terras demarcadas, com quase 30 mil pessoas, e é o povo mais numeroso do estado”, contam o Irmão Mário Bordignon e o Irmão Antônio Teixeira, missionários salesianos em Mato Grosso, em artigo escrito para a Inspetoria Salesiana de São Paulo.

“No passado, éramos quase os únicos a trabalhar com estes povos. Hoje, há também vários organismos ligados à Igreja ou à sociedade civil, com os quais é mais fácil trabalhar, mas há organismos públicos que mudam de atitudes com as mudanças políticas e isso requer de nós um bom jogo de cintura”, afirmam os salesianos.

Outro grande desafio para os missionários é se adaptar às rápidas mudanças culturais e à chegada dos avanços tecnológicos que, também nas aldeias, tem efeitos bons ou ruins, dependendo do uso que se faz dessas mudanças. Há ainda a preocupação econômica, e o papel dos missionários, como eles explicam, “é resgatar as tradições econômicas indígenas e conciliá-las com os avanços da agroecologia e da agrofloresta, principalmente com o avanço populacional, garantindo a segurança alimentar”.

Atualmente, os salesianos no Mato Grosso têm presença missionária na terra de Meruri e em Rondonópolis, com trabalho itinerante nas terras de Jarudóri, Tadarimána, Teresa Cristina e Perigara. Com os Xavante, há duas presenças missionárias nas terras de Sangradouro e São Marcos, além de uma residência em Nova Xavantina. O trabalho itinerante é feito nas terras de Areiões, Marechal Rondon, Parabubute, Pimentel Barbosa e Maraiwatsêde.

“Nessas terras nos sentimos queridos e amados. É uma alegria ver que, apesar dos problemas, a vida indígena tem valores humanos genuinamente evangélicos que também evangelizam os missionários. Constatamos, diariamente, os povos se organizando para defender seus direitos, principalmente o direito da mulher indígena. E o nosso trabalho de missionário é assessorar, dos bastidores, a luta pelos direitos indígenas”, concluem Irmão Bordignon e Irmão Teixeira.

Segurança alimentar
Uma das grandes preocupações dos missionários salesianos é com a segurança alimentar das famílias indígenas, tanto nas aldeias em que estão presentes, como no entorno da paróquia salesiana em Nova Xavantina, MT. Nesse sentido, a Missão Salesiana de Mato Grosso (MSMT) desenvolve várias ações de solidariedade, inclusive realizando parcerias com órgãos governamentais e com outras instituições da sociedade civil.

Um exemplo dessas ações é a Operação Mato Grosso. Na Semana Santa, o projeto permitiu a distribuição de 300 cestas básicas entre as famílias das aldeias xavante na região de Nova Xavantina. Foram beneficiados os atendidos pela Paróquia Pessoal São Domingos Sávio, que inclui famílias das aldeias Corpo de Cristo, Santa Clara, Santa Rita, Santa Benedita, São José, da Terridzat’se, Novo Terridzat’se, São Gabriel, São Domingos Sávio, Bom Jesus, São Paulo, Imaculada Conceição, Três Marias e Santa Rosa.

As cestas foram arrecadadas por meio de doações à distância, principalmente da Itália. Esses benfeitores fazem esse gesto concreto por ocasião da Páscoa e do Natal, doando essas cestas básicas às crianças cadastradas. A MSMT foi representada pelo diácono José Alves de Oliveira, que trabalha diariamente no atendimento aos indígenas na região e, nesta atividade, contribuiu na preparação e na distribuição e entrega das cestas básicas.

Outro exemplo é a ação da Pastoral da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Em março, foi feita a entrega de meia tonelada de alimentos arrecadados pela Associação Atlética Acadêmica de Medicina Veterinária (AAAMV) do curso de Medicina Veterinária. As entidades que receberam as doações foram a Paróquia Nossa Senhora das Graças (Nova Lima), Associação Franciscanas Angelinas (Afrangel), Seminário Menor, Missão Salesiana de Meruri entre os Bororo, MT, e Missão Salesiana de São Marcos entre os Xavante, MT.

A “Pomada do Padre”
Outra ação importante das missões entre os povos indígenas de Mato Grosso é em relação à saúde. Um exemplo é a tarefa de produzir a chamada “pomada do padre” ou “pomada milagrosa”, que é distribuída mensalmente nas aldeias dos povos originários xavante, nas Missões Salesianas de São Marcos e Nova Xavantina.

A pomada foi criada pelo salesiano missionário, padre Bartolomeo Giaccaria, que dedicou mais de 30 anos de sua vida nas missões indígenas de Mato Grosso, especialmente em São Marcos. Vendo as necessidades de saúde de seus destinatários, tais como coceiras, feridas e dores, o salesiano estudou, compilou, adaptou e criou diversos remédios que, há anos, curam vidas. Entre as várias iniciativas do padre Giaccaria nesse campo, estão xaropes, xampu, sabonete medicinal, óleos e “tinturas” diversas.

De acordo com o padre Giaccaria, organizador do livro “Algumas Plantas Medicinais: dicas para seu uso correto”, juntamente com a colaboração da irmã Nancy Caicedo, missionária Laurita, “esse unguento foi estudado especialmente para socorrer problemas de pele das crianças indígenas. É o resultado do estudo das várias ervas e plantas medicinais, associando-as conforme suas propriedades curativas, tendo o cuidado de evitar o uso de ervas e plantas que tenham efeitos contrastantes entre si”.

Os potes são entregues nas aldeias para as famílias e postos de saúde indígenas quando os Salesianos vão até elas fazer o atendimento pastoral. Por causa do atendimento precário à saúde indígena, antes pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), agora pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), os remédios do padre Giaccaria, muitas vezes, são os únicos existentes nas aldeias. A visita dos salesianos é aguardada por todos os indígenas por entenderem que eles se preocupam com a cura do espírito e do físico.

Vivência cristã
A vivência dos sacramentos cristãos e das festas religiosas católicas é muito forte nas missões, e é feita de forma inculturada. O domingo, dia 12 de novembro, por exemplo, foi de festa para quatro jovens da etnia Boe-Bororo, na Missão Salesiana de Meruri. Eles receberam a Primeira Eucaristia na sede da Paróquia Sagrado Coração de Jesus.

Os jovens se prepararam durante todo o ano com a ajuda dos catequistas José Mário Kugarubo e T. Roberto Brito dos Santos, SDB. Na ocasião, eles usaram trajes típicos das solenidades religiosas da cultura Boe-Bororo para a celebração; e, ao final, exibiram orgulhosos a lembrança recebida com o registro canônico do sacramento recebido.

Já nas presenças salesianas entre o povo Xavante, 2023 foi o ano que possibilitou retomar, após a pandemia da Covid-19, as celebrações presenciais e a vivência dos sacramentos.

Em abril, em cerimônias presididas pelo bispo de Primavera do Leste, dom Derek John Christopher Byrne, jovens e adultos das aldeias Xavante atendidas pela Paróquia Pessoal São Domingos Sávio receberam os sacramentos do Batismo, Primeira Eucaristia e Crisma, em aldeias do município de Campinápolis, MT. E, em maio, na solenidade litúrgica de Pentecostes, foram batizados 40 catecúmenos adultos na Terra Indígena de Sangradouro.

Ritual de Nominação
A vivência dos rituais e celebrações das culturas indígenas também faz parte do cotidiano dos missionários salesianos. A descrição feita pelo tirocinante Roberto Brito sobre o Ritual de Nominação na cultura Boe-Bororo e sua relação com o Batismo cristão, mostra bem como isso é vivenciado.

A comunidade Boe-Bororo de Meruri, MT, realizou, no dia 24 de setembro, o Ritual de Nominação para duas crianças e um adulto - uma professora que foi acolhida pelos Boe do clã Bokodori (Clã a que todos os não indígenas devem pertencer). O evento foi prestigiado por toda a comunidade dos povos originários daquela localidade.

No primeiro dia do ritual da nominação, os familiares, convidados e os que irão receber os “nomes” se encontram na casa de um parente clânico do qual pertence o batizando. No local é estendida uma esteira de palha (kodo) sobre a qual se coloca o Pariko (adorno de cabeça que será utilizado pelo padrinho), a Pana (instrumento utilizado pelo padrinho para ser tocado na hora da nominação) e também os que irão receber os nomes. Enquanto isso, o chefe cultural canta os cantos próprios da nominação, acompanhado pelas mães das almas e todos se dirigem ao Baito (casa central).

Ao lado do Baito é introduzido o reconhecimento do padrinho. O pai da criança, adolescente ou adulto, se dirige ao padrinho, o pega pela mão e o coloca no meio do pátio. Então, o padrinho faz a sua dança, toca o instrumento de sopro (Pana) e vai em direção ao batizando.

Terminada a primeira parte do rito, todos se dirigem para dentro do Baito onde o chefe irá cantar, sentado em frente a uma grande aste (a estaca dá dignidade ao local e reconhece como um ambiente sagrado). Enquanto o chefe e as mães das almas entoam o canto, os parentes dos batizandos preparam as indumentárias que serão utilizadas no último rito da celebração; o canto continua até o amanhecer.

Na manhã seguinte, o chefe cultural dá continuidade ao rito de nominação cantando sobre os batizandos. Em seguida as mulheres ornamentam os batizandos com penas e pintura facial. Os batizandos são posicionados em cima da esteira (kodo) no Bororo (Pátio).

Posteriormente, o chefe cultural dá continuidade ao ritual, quando é passada uma resina, chamada “kidoguro” no corpo da criança. Sobre a resina são aplicadas as penugens que representam a purificação. Depois é feito o pulo ritual do padrinho. Após o pulo ritual, o padrinho anuncia o nome que a criança recebeu, em voz alta, para que todos possam ouvir, apresentando a criança em direção ao sol, que representa a vida. Depois, é servida a comida para todos os presentes. A refeição tem o sentido de ceia e comunhão entre os irmãos da comunidade.

Voluntariado Missionário
Além da oferta de ajuda material, é importante para os missionários salesianos e para os indígenas o apoio recebido nas ações de voluntariado.

Uma das experiências nesse sentido é o projeto “Voluntariado Missionário”, do UniSALESIANO, realizada desde 2017 e que permanece inesquecível para todos os que têm o privilégio de participar. Na edição deste ano, 20 jovens acadêmicos embarcaram em uma jornada de aprendizado, descobertas e serviço comunitário, nas aldeias indígenas de Meruri (Boe-Bororo) e São Marcos (Xavante), entre os dias 3 e 12 de julho.

O grupo foi acompanhado por sete educadores e pelo Pró-reitor de Pastoral, padre Paulo Eduardo Jácomo, SDB. “O principal objetivo desse projeto é proporcionar aos alunos uma imersão profunda na realidade das comunidades indígenas, permitindo que eles conheçam de perto as suas tradições, cultura, desafios e necessidades”, explicou o padre Paulo.

Durante a estadia nas aldeias, os participantes são acolhidos pelos membros das comunidades, que compartilham suas vivências e conhecimentos milenares, e, também, pelos missionários, que cedem espaços de suas casas para a permanência dos acadêmicos.

Em relação ao cronograma de atividades realizadas no período, é desenvolvido com diversidade e adaptado às necessidades das aldeias. São desde ações de promoção da saúde e bem-estar até iniciativas de educação ambiental e sustentabilidade.

Alfabetização digital e curso EAD
É importante ressaltar que a ação missionária salesiana também está muito voltada para a educação, promovendo a inclusão digital e acadêmica, e valorizando as culturas locais. Um exemplo foi o curso de alfabetização digital realizado entre os dias 9 e 29 de janeiro, no qual a Família Salesiana da Comunidade de São Marcos atendeu cerca de 50 crianças da etnia Xavante.

Os “tsapore” (“baixo”, adjetivo usado para se referir às crianças xavante) estrearam o projeto-piloto “Noções Básicas de Informática na Educação Xavante”, coordenado pelo padre Douglas Souza, SDB, e pela irmã Maria Imelda, FMA.

Por meio da plataforma digital “Grapho Game Brasil”, ferramenta disponibilizada pelo Ministério da Educação e desenvolvida em parceria entre cientistas da educação finlandeses e brasileiros, os alunos xavante percorreram diferentes estágios da alfabetização, cuidadosamente preparados numa perspectiva ‘gamer’. O projeto contou com a utilização de 16 notebooks, atualizados com hardware proveniente de doação realizada pelo Conselho Geral da Congregação Salesiana, o que ratifica o sentido de universalidade da Família Salesiana.

Outra ação relativa à educação que teve avanços importantes é o Polo de Educação a Distância (EAD) do Curso de Pedagogia oferecido pelo UniSALESIANO na aldeia de Meruri. No primeiro semestre de 2023, os estudantes iniciaram estágios na escola de Educação Infantil local, aplicando na prática o que estão aprendendo teoricamente.

O curso, que teve início em agosto do ano passado, é um projeto pioneiro e vital para a comunidade Boe-Bororo. Ele representa uma parceria entre o UniSALESIANO, com sede em Araçatuba, SP; a Missão Salesiana de Mato Grosso e a prefeitura da cidade de General Carneiro, MT, que permite aos estudantes participar ativamente de aulas práticas nas segundas-feiras, complementando a educação a distância com experiências no campo.

O curso de Pedagogia em EaD, que é totalmente gratuito e tem duração de quatro anos, é um exemplo inspirador de como a educação pode transformar vidas e fortalecer comunidades. Os alunos indígenas de Meruri estão demonstrando dedicação e entusiasmo em sua jornada acadêmica, prometendo um futuro brilhante tanto para si mesmos quanto para sua comunidade.

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