Dom Bosco foi para Deus em 1888. Um ano depois, em Boretto di Reggio Emilia, Itália, um menino de 9 anos começou a trabalhar. Não sabia quem era Dom Bosco, mas um dia, na Argentina, irão chamá-lo de “Dom Bosco dos pobres”. E naquela época, sem saber, renovava a dura experiência de Joãozinho Bosco no sítio dos Moglia. Numa vasta feitoria agrícola, foi o “criado” aprendiz. Levantava às três horas da manhã, com uma porção de polenta para comer e acordar totalmente, e depois ao campo. Foi um “rapaz trabalhador” até os 16 anos, com o dia de sol a sol, rosto magro, o medo de acabar como tantos trabalhadores mortos aos vinte anos de pelagra ou de malária.
Chamava-se Artêmides Zatti, aquele rapaz, e quando voltou à família ouviu que papai e mamãe falavam em partir para a América. Havia um tio emigrado para Bahia Blanca, na Argentina, que escrevera dizendo que lá quem tinha vontade de trabalhar podia viver bem. Na Itália, pelo contrário, naqueles anos, um trabalhador braçal tinha poucas possibilidades de viver: há a crise agrícola, o desemprego, o latifúndio, a miséria que abate os camponeses como espigas.
Em 1897 (Artêmides já tinha 17 anos) os Zatti partiram. Bahia Blanca, como toda a Argentina, naqueles anos, estava cheia de italianos emigrantes, que trabalhavam duramente e em silêncio. O tio os esperava, e ajudou o pai a montar uma barraca no mercado. Artêmides trabalhava fabricando tijolos.
A vida de Dom Bosco e uma ideia
Havia muitos anticlericais em Bahia Blanca, mas os Zatti aos domingos estavam todos na igreja. A igreja era mantida pelos Salesianos de Dom Bosco, que eram missionários chegados à Argentina, 22 anos antes. O pároco se chamava Carlos Cavalli, e Artêmides lhe deu uma ajuda para ter em ordem a igreja, acompanhando-o na visita aos doentes, quando não estava ocupado com a fábrica de tijolos. Padre Carlos lhe colocou nas mãos a Vida de Dom Bosco, e Artêmides a leu de uma só vez. E veio-lhe à cabeça uma ideia: “E se eu também me fizesse salesiano?”.
Já tinha 19 anos, e falou com seu pai. O bravo homem o abraçou: “Já és grande, podes decidir a tua vida. Mas, pensa bem, porque se começas um caminho deves ir até o fim”.
As casas salesianas na Argentina já eram numerosas e espalhadas. Aquela que reunia os jovens que queriam preparar-se para a vida salesiana estava em Bernal, próximo de Buenos Aires.
A Bernal chegou um jovem salesiano doente com tuberculose, e Artêmides se ofereceu para cuidar dele, dando-lhe assistência. O salesiano, consumido pela tuberculose, faleceu. Artêmides, com 22 anos, foi acometido por uma tosse insistente e atacado por uma febre que o acometia todos os dias, pela tarde. Foi visitado por um médico que diagnosticou tuberculose e perguntou aos superiores: “Os senhores têm uma casa nos Andes, com ar suave e oxigenado? Pois bem, se quiserem salvá-lo, mandem-no para lá”.
Para chegar à casa, Artêmides deveria empreender uma viagem de 600 quilômetros para voltar a Bahia Blanca, e daí enfrentar uma segunda viagem em direção ao leste de 700 quilômetros. Os primeiros 600 quilômetros, que Zatti viajou num duro assento de terceira classe, levaram-no à casa e à paróquia salesiana.
Estava extenuado. Padre Carlos escreveu imediatamente aos superiores, e depois de pouquíssimos dias anunciou à família: “Artêmides não irá para os Andes, mas para a casa salesiana de Viedma. Ali há um bom ar e um ótimo médico. Ele vai sarar. Os recursos para a viagem estão aqui”.
Em Viedma surgiu a única obra salesiana dotada de um hospital e de uma farmácia. Os missionários tiveram que construí-la catorze anos antes. A cidade era um amontoado de pobres barracas onde se ajuntavam aventureiros, indígenas, soldados. Qualquer doença podia ser mortal, porque faltavam os remédios mais elementares.
Um padre salesiano, Evasio Garrone, tinha sido enfermeiro no exército italiano, e Dom Cagliero o encarregou de montar uma farmácia. Ele fazia também o papel de médico e, na farmácia, começou uma estranha contabilidade: os ricos pagavam os remédios a um preço dobrado e os pobres não pagavam nada. Ao lado da farmácia havia uma cavalariça. Foi limpa, desinfetada, fornecida de uma cama e um colchão. Surgiu assim também o hospital para os doentes que não podiam se curar em suas casas.
Não padre, mas “médico”
Março de 1902. Artêmides chegou a Viedma e escreveu à sua mãe: “Com grande alegria encontrei os meus caros irmãos salesianos. Quanto à saúde, me visitou o médico padre Garrone, e me garantiu que dentro de um mês estarei curado”. Na realidade a cura da enfermidade não durou um mês, mas dois anos.
Em 1908, aos 28 anos de idade, Artêmides fez os seus votos definitivos: tornou-se salesiano para sempre. Depois de consultar os superiores, decidiu deixar os estudos para o sacerdócio e se dedicar à ajuda ao padre Garrone.
No dia 8 de janeiro de 1911, padre Garrone faleceu. De repente, Artêmides Zatti se encontrava sozinho na direção da “Farmácia de S. Francisco” e do “Hospital de S. José”. Para estar em dia diante da lei, o superior salesiano recebeu um médico formado que se tornou responsável legal frente às autoridades. Mas na realidade o médico de todos era ele, Artêmides Zatti, com os estudos escassos, mas com muito amor por todos os doentes.
Em 1913, os desejos de Artêmides começaram a realizar-se: foi lançada a pedra fundamental de um novo hospital. Por enquanto se construiria somente o andar térreo; assim que o dinheiro foi chegando, depois se construiu o segundo andar. As paredes eram sólidas e seguras.
A dificuldade maior era sempre a de aplicar junto o dinheiro necessário para que o hospital e a farmácia continuassem com a costumada gestão: quem tem, paga; quem não tem, não paga. Quando as contas estavam no vermelho, Zatti montava na bicicleta, punha um chapéu na cabeça e saía para procurar esmola. Batia às portas das raras casas dos ricos: “Dom Pedro, poderia emprestar cinquenta mil pesos ao Senhor?”. “Ao Senhor?”, pergunta admirado o homem rico. “Sim, dom Pedro. O Senhor disse que tudo o que fizermos aos doentes, estaremos fazendo a Ele. É um bom negócio emprestar ao Senhor”.
O Banco Nacional tinha aberto uma agência em Viedma, e destinou a Zatti a conta corrente n. 226. Artêmides gastou o que tinha e o que não tinha. E um dia o banco mandou chamá-lo. Havia uma conta grande para saldar já, do contrário, acabariam os recursos para garantir o hospital. Zatti ficou ali, diante do presidente do banco, assustado. Chorou, suplicou e não sabia mais o que fazer. Não tinha mais dinheiro. A única coisa que tinha eram outros débitos.
Alguém do banco telefonou para o bispo, dom Esandi. O bispo resmungou, disse que de um jeito ou de outro providenciará. Chamou o seu vigário: “Estão me telefonando que Zatti está no banco e chora porque tem que pagar uma grande quantia descoberta. Sempre a mesma coisa! Temos alguma coisa em caixa?”. “O dinheiro para imprimir o próximo número do jornal diocesano”. “Leva-o depressa ao presidente do banco e salva aquele pobre homem”.
Com pesar, Artêmides Zatti teve de admitir que os bancos não “emprestam nada ao Senhor”. Fazem negócios e basta. Mas, como cristão obstinado, concluiu: “Eles é que erram, não eu”. E continuou assim.
Chegou ao hospital um pobre homem coberto de lacerações, foi cuidado e curado, mas não pôde voltar sendo atacado novamente pelas feridas. Zatti foi a uma família: “Não tendes uma roupa para emprestar ao Senhor?”. Trazem uma roupa muito usada. E ele: “Não tendes uma mais bonita? Ao Senhor devemos dar o melhor que temos”.
Chegou um indígena sujo e aleijado. Zatti gritou para a enfermeira: “Irmã, prepara um leito para o Senhor”. E quando chegou um menininho faminto e ferido, perguntou à irmã: “Há uma sopa quente e uma roupa para um Jesus de dez anos?”.
Diante do hospital apareceu uma farmácia verdadeira, com um farmacêutico diplomado. Por lei, a farmácia do Hospital deveria fechar. Mas Zatti sabia que na nova farmácia todos deveriam pagar tudo. Os pobres assim não teriam medicamento. Ele combinou com os superiores, passou dias e noites por testes de farmácia, e foi a La Plata para prestar os exames necessários. Voltou fornecido também de diploma regular e a farmácia do hospital pôde continuar tranquila o seu serviço aos pobres.
E olhou para o alto
19 de julho de 1950. A caixa d’água teve um estrago. Debaixo de chuva, Artêmides Zatti (70 anos) subiu numa longa escada para consertar. Um pé escorregou, a escada inclinou. Uma queda grave, a cabeça ferida, todo o corpo esmagado. Tentou dizer: “Não é nada”, mas ele mesmo sabia que não era verdade.
Os velhos móveis parecem sólidos e eternos. Mas se caem, mesmo que seja uma vez, se tornam uma chiadeira. E Zatti sentiu de repente que tinha se tornado velho e doente. Sentia uma dor insistente do lado esquerdo, distúrbios contínuos. Sabia bastante de medicina para dizer: “É um tumor no pâncreas. Não vos preocupeis, porque não preciso de nenhum remédio”.
Alguém o surpreendeu chorando em silêncio, e subitamente escondeu as lágrimas como uma culpa. “Sofre?”, perguntaram-lhe. E ele: “Não é isto. É que sou ferro velho, já inútil”.
Pediu a Unção dos Enfermos, renovou os votos batismais e os votos religiosos. A quem perguntava “Como vai?”, respondia de uma maneira estranha: “Para cima”. E olhava para o alto.
O Senhor veio buscá-lo no dia 15 de março de 1951. Aquele Senhor ao qual Artêmides Zatti não tinha emprestado a vida; tinha-a dado. Hoje a Igreja Católica o honra como santo.
Publicado originalmente no
Bollettino Salesiano Itália, em maio de 2022.
Em 9 outubro de 2022, Artêmides Zatti foi declarado oficialmente como santo da Igreja Católica pelo Papa Francisco. Na ocasião, o Boletim Salesiano preparou uma edição especial, com artigos, vídeos e fotos sobre Santo Artêmides Zatti. Leia gratuitamente a edição completa clicando AQUI.