No dia 28 de maio, o Dicastério para a Comunicação Social do Vaticano lançou um novo documento intitulado Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais. O documento, assinado pelo Prefeito do Dicastério, Paolo Ruffini, contou com a contribuição de inúmeros especialistas, pesquisadores, jovens, profissionais, leigos, sacerdotes e religiosos, e está alinhado com o pensamento do Papa Francisco e também com outros documentos recentes do Magistério da Igreja que tratam do tema da Comunicação Social.
O documento não tem como objetivo proporcionar diretrizes exatas sobre a presença nos meios digitais, inclusive porque se trata de um processo em andamento, com muitas dúvidas e incógnitas que precisam de tempo para ser amadurecidas e solidificadas. No entanto, apresenta reflexões importantíssimas que servem para um diálogo crítico e sensato sobre a presença dos cristãos nas redes sociais. Esses novos pátios são entendidos como uma terra prometida a redescobrir. Já não se trata mais de questionar se “devemos ou não estar ali”, visto que esse novo ecossistema já faz parte da vida da maior parte das pessoas de todo o mundo. Por isso, a grande questão é: “Como devemos estar ali?”
Desproporções
Conforme o documento, “as redes sociais desempenham um papel decisivo como um fórum em que se modelam nossos valores, crenças, linguagem e suposições a respeito da vida diária” (no. 10). Primeiro, é importante ter presente a questão da desigualdade em relação às possibilidades de acesso. Por exemplo, 71% da população brasileira com mais de 16 anos não consegue usar a internet todos os dias. Em segundo lugar, é necessário levar em consideração que, na atual economia, as pessoas, mesmo sem querer, passam a fazer parte de um comércio de informações e dados que alimenta os algoritmos e sustenta a mercantilização da vida.
A promessa de que as redes sociais seriam as novas praças, como espaços livres de encontro e diálogo, na verdade não se consolidou; elas passaram a ser espaços determinados pelas informações que acessamos e compartilhamos. Os sistemas de filtros levam as pessoas a terem sempre mais contato com aqueles que partilham de seus gostos, suas formas de pensar e de agir. São espaços homogeneizados, individualistas e autorreferenciais que tendem a isolar e distanciar aqueles que pensam diferente. Nesse contexto, comportamentos excludentes, agressivos, polarizados e fundamentalistas são potencializados e ganham proporções preocupantes.
Para o cristão de hoje
Para o cristão de hoje, habitar esses novos pátios exige uma postura de constante crítica e discernimento. Mais do que nunca é necessária uma profunda espiritualidade bíblica, que fundamente as escolhas e práticas individuais e coletivas. As tecnologias permitem inúmeras formas de encontro e formação de comunidades. Como podemos potencializar a cultura do encontro nesses ambientes e como podemos passar da mera cultura mediada pelos aparelhos eletrônicos para uma cultura do encontro face a face, fortificando e dando um novo ânimo para as comunidades físicas?
As redes sociais são espaços importantíssimos, mas as relações precisam ir além delas. Caso contrário, nos perdemos no meio da economia da atenção que rege esses sistemas e que nos afasta da concretude da vida. O excesso de relações pode se transformar numa carência de relações, é preciso passar dos cliques, likes e bytes para o encontro profundo, do olhar direto, do silêncio que permeia o olhar ampliado sobre as pessoas e as realidades. Esse contato pessoal, capaz de perscrutar a realidade, não é imediato e impulsivo como exigem as redes sociais, mas é carregado de confronto com a Palavra de Deus, de discernimento crítico e criativo que nos move para a ação.
O documento convida a uma bonita reflexão sobre como cada um de nós pode viver a dimensão samaritana do encontro nos ambientes virtuais e dá uma ênfase importante para a dimensão comunitária. Talvez, hoje, o viver em comunidade seja o maior testemunho que os cristãos podem dar. Como diz o documento, o bom comunicador não é só aquele que transmite muitas e eficazes mensagens, mas é aquele que dá tudo de si. “Comunicamo-nos com nossa alma e com nosso corpo, com nossa mente, com nosso coração, com nossas mãos, com tudo”.