Em continuidade à reflexão sobre o discernimento vocacional no projeto pessoal de vida, Papa Francisco apresenta, na exortação Christus Vivit (CV), entre outras perguntas existenciais, esta: “Qual é o meu lugar na terra?”. Responder a isso requer “espaços de silêncio e solidão” (CV, 283). Não se trata, porém, de um isolamento como experimentamos na pandemia, mas da capacidade de escutar, pois “somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar a seu ponto de vista parcial e insuficiente... assim acolhe o chamado” (CV, 284).
O dom da vidaCada um de nós vive uma situação particular. Estamos neste mundo e somos parte da criação de uma forma peculiar. Nenhum de nós escolheu nascer num determinado local, numa família ou ter uma nacionalidade. É quase uma supressa o fato de fazermos parte de um ambiente e nos descobrirmos como membros de um grupo familiar. Há pessoas, sobretudo na adolescência, que fazem o jogo de um certo ciúme ou inveja da família do outro. Parece que na casa dos outros as coisas são melhores e há uma tentação de negar as próprias origens.
No entanto, este sentimento é um desconforto passageiro que mexe com nossas escolhas, inclusive as definitivas. O fato de não termos escolhido para nascer não significa que nossa vida seja fruto de acaso. Creio que cada um de nós é o resultado de uma obra perfeita que começa no encontro entre duas pessoas e dá abertura para o dom da vida, que nasce das mãos do criador.
Estou no mundo, e agora?
Quando descobrimos que somos pessoa em relação e que aos poucos vamos tecendo histórias com tantas outras pessoas e formas de vida, o impulso é de criar laços, fortalecer o conhecimento, crescer, interagir, sair do casulo e continuar o processo criacional de Deus. Somos feitos para o mundo. Por isso, quando nossa consciência vai tornando-se mais madura e fortalecida pelas experiências, precisamos assumir papeis, realizar tarefas e exercitar nossa liberdade de escolha; enfim, estamos no mundo e não podemos ser apenas um número, somos gente plena, com potencialidade, inteligência e, sobretudo, temos uma missão a realizar.
Eis aqui o primeiro drama da existência: saber o que temos que realizar. Não apenas passamos por este mundo, somos parte dele. Tendo como referência a cultura dos povos indígenas, Papa Francisco insiste que “a vida é um caminho comunitário em que as tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território” (Cf. Exortação pós sinodal Querida Amazônia, n. 20). Neste sentido, não estamos no mundo para olhar para nosso umbigo, mas para interagir numa grande comunhão de pessoas e da ecologia integral para deixar uma marca de transformação e de nova criação. Estamos no mundo para ser protagonistas, e não expectadores.
Sim, preciso dos outros
Na encíclica Laudato Si, Papa Francisco pede que saibamos voltar a “sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos” (LS, 229). Este é o compromisso com nossa presença nesta terra: superar a degradação moral e ética, que nos coloca em guerra uns contra os outros, numa batalha de mentiras e ofensas, agarrados aos próprios interesses sem o sentido do coletivo.
O mundo do consumo exacerbado escraviza, diminui o ser humano e o torna indiferente. Sair do nosso EU para encontrar o NÓS é a grande aventura que fortalece nossa passagem pelo mundo construindo histórias verdadeiras.
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.