Numa perspectiva salesiana, podemos falar a partir de diferentes formas de acompanhamento: acompanhamento individual ou de grupo; orientação espiritual ou aconselhamento pastoral; sacramento da confissão; acompanhamento realizado por uma comunidade educativa; acompanhamento para o projeto de vida ou dos educadores em sala de aula e tantas outras formas. No entanto, propomos o tema a partir da ideia de “acompanhamento integral”, no qual tudo e todos numa casa salesiana contribuem para que cada criança, adolescente e jovem tenha a possibilidade de encorajar-se a dialogar de maneira livre e responsável com o Senhor que chama.
Longe de oferecer uma resposta a todas as questões sobre o tema, nos propomos a refletir acerca do entendimento de que o acompanhamento integral salesiano não é ação isolada, mas insere-se no interior de um itinerário e de um ambiente em que as juventudes encontram pessoas que são companheiras de viagem, ajudando-as na escuta da voz do Espírito. Isto indica a importância de vivermos, seja como religiosos e religiosas ou como leigos e leigas, realmente enraizados na oração; e o quão real é o risco das nossas proprias ideias serem diferentes do que, de fato, Deus está pedindo. Sob esta ótica, temos uma novidade significativa para a reflexão: falaremos sobre o acompanhamento integral salesiano a partir da pessoa do acompanhante e não do acompanhado.
Para ajudar a relermos a própria vida à luz do Evangelho de Jesus Cristo e do Carisma Salesiano, ao longo das próximas edições do Boletim Salesiano conheceremos um pouco sobre a vida de pessoas que marcaram profundamente a vida de Dom Bosco. A cada modelo de vida conhecido, vamos propor algumas pistas de reflexão que nos ajudem a fazer a leitura das experiências de Deus e do Carisma Salesiano em nós mesmos e em nossa vida de comunidade, sendo o acompanhamento a palavra-chave desta reflexão. Por hora, compartilhamos algumas chaves de leitura que podem ajudar nesta empreitada.
A partir da própria história
A primeira chave é partir da própria história. O passado é por vezes semelhante a uma terra de missão, onde existem áreas à espera de serem descobertas, pedindo para serem iluminadas, como lugar de uma presença particular de Deus. Ler o passado muda o modo de vida hoje e predispõe a acolher com serenidade o futuro.
Ler a própria história em termos de salvação é uma tarefa simultaneamente psicológica e espiritual. Trata-se de assumir a verdade de que Deus está sempre trabalhando para dar a salvação. Todos deveríamos ser capazes de falar de Deus referindo-se à própria história pessoal de vida.
Acreditar significa fazer o trabalho de buscar aquele fio condutor que liga todos os acontecimentos da história pessoal. Crer significa acreditar num Sentido, na Palavra de Deus, no Amor de Deus, tecido nas dobras da realidade. Já a memória é a ferramenta principal para perceber a ação de Deus. Isso nos torna crentes quando, ao lembrar, ligamos fatos e percebemos significados. É uma recordação linear e intensa, que abraça toda a vida, celebrando o amor salvador de Deus.
Quatro dimensões oratorianas
As Constituições Salesianas afirmam que o Oratório é o critério permanente para discernir a Salesianidade de toda atividade e trabalho. Portanto, as quatro dimensões do oratório constituem o parâmetro a partir do qual se podem ler e concretizar os princípios educativo-pastorais.
●Casa que acolhe. A relação de afetividade, principalmente com aqueles necessitados de carinho e apoio, é importantíssima. O carisma faz com que as juventudes encontrem um lugar de pertencimento e de vínculos interpessoais que a vida, por diversos motivos, lhes negou. A casa é mais que uma atividade, um lugar ou uma ferramenta educativa; é um dinamismo que identifica o modo de ser.
● Paróquia que evangeliza. A dimensão religiosa estava presente no coração e na vida de Dom Bosco. Acompanhar conforme uma paróquia que evangeliza significa que se define um modo de ser: “uma comunidade de batizados que, dóceis à voz do Espírito, se propõem a realizar, numa forma específica de vida religiosa, o projeto apostólico do Fundador: ser na Igreja sinais e portadores do amor de Deus aos jovens, especialmente aos mais pobres” (Constituições Salesianas, Art. 2º).
● Escola que educa para a vida. A educação foi a opção que, desde o sonho dos 9 anos, Joãozinho percebeu como o caminho que Jesus e Maria lhe confiaram. O sistema preventivo “era para ele um amor doado gratuitamente, inspirado pela caridade de Deus, que precede cada criatura com a sua providência, acompanha-a com a sua presença e salva-a dando a própria vida” (Constituições Salesianas, Art. 20º). Disto intuímos que, para acompanhar a educação, é necessário amar sincera e profundamente as juventudes.
● Pátio para fazer amigos. O pátio é o espaço ideal para o acompanhamento salesiano espontâneo porque supera todo tipo de formalismo; oportuno, porque capta a realidade do que as juventudes estão vivenciando; incisivo, porque às vezes basta um olhar, um gesto, uma palavra para chegar ao coração; agradável, porque ocorre no meio daquilo que amam (recreação).
Três níveis de acompanhamento
Por fim, salientamos que há três níveis de acompanhamento:
●Ambiental. Todos nascemos num ambiente humano, num contexto que nos abriga: a nossa família, o nosso povo, a nossa pátria, a cultura que nos é própria etc. Esses ambientes são de extrema importância porque contêm e manifestam as mediações e formas como Deus está presente na história. Dom Bosco sabia a importância de gerar um ambiente que tornava “visível” o acompanhamento de Deus na história das juventudes. O ambiente cria a sensação simultânea de compartilhar uma casa acolhedora, uma paróquia que evangeliza, uma escola que educa para a vida e um pátio onde a alegria e a criatividade podem ser vividas.
● Grupal. A necessidade de pertencer a alguma experiência grupal é algo inerente a qualquer ser humano, mas tem força especialmente para os adolescentes e jovens. O Oratório nasceu com grupos que dinamizavam a participação e promoviam os interesses dos próprios jovens. Para Dom Bosco, os grupos foram essenciais para fomentar o ardor criativo de um ambiente rico em valores. Os espaços de amizade facilitam a assimilação experiencial e comunitária de propostas educativas e evangelizadoras porque evidenciam o protagonismo e a criatividade dos próprios jovens.
●Pessoal. No acompanhamento salesiano, tudo visa chegar ao coração das juventudes. É aí que entra em jogo a qualidade-santidade do educador salesiano. Chegar a cada jovem, não apenas como “mais um dos membros participantes”, mas para tocar a individualidade mais profunda enraizada no seu coração e acompanhá-lo no caminho de realização do seu próprio projeto de vida, que é o “sonho de Deus” para ele. Dom Bosco tornou-se sacerdote por isso. A sua foto mais emblemática é a que o mostra confessando aos seus filhos. Ajoelhado, encontramos Paulo Álbera, de 14 anos. Dom Bosco reforça o simbolismo da escuta com o gesto da mão no ouvido. Este é para ele o sacramento da interioridade por excelência, da escuta contemplativa da obra que Deus realiza no coração de cada jovem.
Texto elaborado a partir de anotações pessoais e material de apoio do curso “Escola Salesiana de Acompanhamento Integral”, realizado em novembro de 2024, na cidade de Quito, Equador.