Em sua carta encíclica voltada para a Ecologia Integral, a Laudato Si’, o Papa Francisco afirma: “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa” (Laudato Si`, n. 217). Trata-se, por conseguinte, de uma real e concreta conversão ecológica diante de pactos e projetos que manifestam “a fraqueza da reação política internacional. A submissão da política à tecnologia. A falência das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente. O interesse econômico que chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipulação da informação para não ver afetados os seus projetos” (Laudato Si’, n. 54.15; Laudate Deum, 2022, n. 52).
Então, assumir no Projeto Pessoal de Vida a espiritualidade ecológica me parece um caminho importante para começar em si a mudança, ao seu redor, em sua família, em sua comunidade e, com otimismo, na sociedade.
A minha referência é a fala de Dom Bosco aos membros do Conselho Geral da Congregação e aos diretores numa reunião de 15 a 17/09/1875, no colégio de Lanzo/Itália, três dias antes do início dos exercícios espirituais (MB, vol. XI, 2022, p. 278). É muito interessante o chamado de Dom Bosco ao cuidado do bem comum em duas dimensões: o não desperdício – descarte –, portanto consciência ecológica; e a boa gestão financeira para evitar gastos desnecessários.
Vamos aos fatos. Em sua fala, Dom Bosco faz seis recomendações importantes.
Em todos os colégios tenha-se em conta o papel usado
É interessante essa orientação de Dom Bosco num tempo em que a sensibilidade pelo meio ambiente ainda não tinha despertado. Porém, ele cria uma norma que ecoa atualmente nas palavras do Papa Francisco: “passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha... aprender a dar, e não simplesmente renunciar” (Laudato Si’, n. 9). O papel usado nas oficinas, nas salas de aula, nas tipografias não deveria ser jogado na natureza ou queimado, mas reaproveitado.
As folhas usadas apenas num lado sejam destinadas às provas de nossas tipografias
Novamente aqui o sentido de que não podemos contribuir com o descarte, mas saber aproveitar de tudo com senso de gestão, economia e preservação. Também nesse aspecto, Papa Francisco chama a atenção sobre a cultura do descarte quando diz: “note-se, por exemplo, como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado” (Laudato Si’, n. 22). Certamente, nas casas salesianas daquele tempo a situação já estava se agravando e foi preciso intervir para o bem comum.
Das meias folhas totalmente brancas sejam feitos blocos de notas.
Com essa orientação, Dom Bosco antecipa um novo modelo de gestão que inclui o cuidado pelo meio ambiente (Laudato Si’, n. 144). Quantas meias folhas de papel jogamos no lixo cotidianamente? É uma sensibilidade que, nos dias atuais, pode ser considerada anacrônica porque temos pressa para tudo e as pequenas tarefas e objetos passam despercebidos ao nosso olhar. Nossos cestos de lixo, se falassem, poderiam nos dizer quantas folhas de papel atiramos neles, contribuindo assim para o descarte.
O papelão das embalagens seja guardado para despachar
Caixas e caixas de papelão são jogadas no lixo todos os dias, no comércio e também em nossas casas. Muitas vezes nem temos a sensibilidade de usar para guardar algum objeto, desmontar para reutilizar... tudo acaba no lixão, agravando a questão hídrica que já está causando seus danos a muitas populações e ao solo com o esgotamento acelerado dos recursos naturais, pois “grandes cidades sofrem períodos de carência do recurso hídrico, que, nos momentos críticos, nem sempre se administra com uma gestão adequada e com imparcialidade” (Laudato Si’, n. 28).
O papel usado por completo seja vendido para as fábricas de papel
Outra orientação importante sobre a reciclagem, já naquele século XIX. Dom Bosco tinha realmente uma sensibilidade ecológica que impressiona. Ele, de certa forma, adiantava o que disse Papa Francisco: “o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e detritos” (Laudato Si’, n. 22). Ou, como enfatizou o Pontífice num documento mais recente, “devemos superar a lógica de nos apresentarmos sensíveis ao problema e, ao mesmo tempo, não termos a coragem de efetuar mudanças substanciais” (Laudate Deum, n. 56).
Fazer isso não será uma pequena economia
A consciência ecológica e econômica de Dom Bosco encontra na gestão do bem comum sua força mais importante diante da desigualdade; aquilo que o Papa Francisco chama de “desigualdade planetária” (Laudato Si’, n. 48). Porque, de fato, são os pobres os que mais sofrem as consequências da deterioração do meio ambiente, da poluição da terra, do ar e das reservas hídricas, da morte prematura de muitas pessoas. Tudo isso afeta a economia e cria o abismo entre o mundo da opulência e o mundo da fome. E toda desigualdade é uma dívida ecológica (Laudato Si’, n. 51). Por conseguinte, é preciso enfatizar que tanto o pobre quanto o rico têm a mesma dignidade, pois o meio ambiente não é um bem para poucos privilegiados, mas para todo o coletivo humano (Laudato Si’, n. 94).
É, portanto, profética a preocupação de Dom Bosco com o bem comum, pois “Deus deu a terra a todo gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém” (João Paulo II, Centesimus Annus, 1991, p. 719), com o direito de todos a uma economia justa e fraterna. Oxalá essas poucas reflexões nascidas da sensibilidade de Dom Bosco e que são tão atuais possam fazer parte do nosso Projeto Pessoal de Vida.