A Articulação da Juventude Salesiana (AJS) completa seu jubileu. Tornou-se madura e, podemos dizer, caminha para uma nova fase nos tempos atuais que, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, “vive a passagem da fase sólida da modernidade para a líquida, ou seja, as organizações sociais, com todas suas estruturas e padrões de comportamento, não conseguem manter sua forma por muito mais tempo” (Bauman: Tempos líquidos, 2007, p. 7). “Tudo passa”, afirma o Eclesiastes. E é verdade! No entanto, é preciso fortalecer o projeto pessoal de vida (PPV) a partir dos sinais dos tempos, como pediu o Sínodo sobre os jovens de 2018.
Juventudes
Pode parecer estranho para alguns o termo “juventudes”, no plural, mas trata-se da realidade atual. “Existe uma pluralidade de mundos juvenis” (CV 2019, n. 68). Número de jovens que diminui em vários países devido à baixa natalidade; jovens em regiões de minorias cristãs; jovens que são perseguidos por causa da fé que professam; jovens em regiões de conflito bélico; jovens à margem da sociedade; jovens em países com muitas oportunidades e comodidades; jovens ideologizados pela necropolítica; jovens famintos e sem moradia; jovens em conflito geracional; jovens comprometidos com a transformação da sociedade (CV 2019, n. 69-79).
Os tempos, para esses jovens, são desafiadores porque não há segurança estrutural, apenas o desejo de viver ou o medo de morrer quando estão desconectados do mundo virtual. A AJS precisa se repensar, no Brasil, como proposta de vida em meio a alguns desafios: polarização ideológica da religião e da política; fragmentação da fé; descompromisso com causas sociais, enfim, medo de não viver conectados.
Polarização ideológica da religião e da política
Como pensar em um projeto pessoal de vida no turbilhão de conflitos ideológicos com os quais estamos nos afogando nesta “pátria amada, Brasil”? Alguns negam a polarização, contudo, não adianta fechar os olhos, os ouvidos e a boca, porque a realidade está aí, diante de nossos olhos. Algumas instituições religiosas foram contaminadaS com o vírus da ideologia partidária, e a política deixou de ser o bem comum para ser o interesse pessoal a qualquer custo. A ética perdeu seu lugar na política e estão enforcando a moral social.
Estamos sem bússola numa tempestade em alto mar. É aqui que a pergunta de Deus ecoa: “onde estás?” (Gn 3,9). Para onde vamos? Como a AJS pode colaborar com o encontro da bússola para guiar as juventudes rumo a um porto seguro? O Sínodo disse que muitos adultos, ao verem os jovens desorientados, “fazem a lista de calamidades, de defeitos da juventude atual” (CV 2019, n. 66), mas esquecem, porém, que as juventudes são uma construção social, ou seja, são frutos da própria sociedade desequilibrada. Há ainda um agravante: a necropolítica, que mata e faz morrer. O jogo de interesses escorrega para a delinquência, a violência, a intolerância.
Ser jovem num mundo em crise
Não foi por acaso, acredito eu, que o Papa Leão XIV, em sua primeira aparição pública, fez o chamado à paz. Paz, contudo, não é ausência de discordâncias, mas diálogo na gestão dos conflitos. Não é imposição.
Situações como “extorsões, crime organizado, tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros, guerras” (CV 2019, n. 72) interrompem sonhos e a vida de muitos jovens; e são usadas para manipular os jovens e usá-los “como bucha de canhão ou como força para destruir, intimidar ou ridicularizar outros, inimigos, desconfiados de todos” (CV, 2019, n. 73).
Há ainda a propagação do HIV entre os jovens, as dependências em drogas e jogos de azar, a pornografia, jovens em condição de rua, sem família, jovens vítimas da manipulação das redes sociais (CV 2019, n. 76). É uma dor que dilacera a alma de quem ainda tem sentimentos, e Deus caminha em busca de seres humanos que possam chorar com os que choram (Mt 5,4).
A Igreja chora com as juventudes?
É a constatação feita no Sínodo 2018: “Queremos, como Igreja, chorar para que a sociedade também seja mais maternal, afim de que, em vez de matar, aprenda a dar à luz, para que seja promessa de vida” (CV 2019 n. 75).
Não podemos aceitar a indiferença como normativa. É preciso chorar pelos jovens que estão em situação muito pior do que a nossa. Jovens sem esperança, jovens sem moradia, jovens abusados, jovens que choram seus pais e irmãos dilacerados pelas bombas, pelas drogas, pela violência. Há dores, disse o Sínodo 2018, que não podem ser expressas por palavras e sobem a Deus como clamor a partir do coração (CV 2019 n. 77).
A Igreja, e todos nós que cremos no Deus libertador, não podemos esconder a dor, as lágrimas, porque onde sofre um jovem, Deus está sofrendo com ele.