Salesianidade

Acompanhamento salesiano: de coração a coração

Nesta última edição do ano, abordaremos o acompanhamento salesiano a partir daquela que é considerada o testamento pedagógico de Dom Bosco e que revela todo o seu coração de pai: a famosa “Carta de Roma”.
Gilson de Oliveira Cardoso

Nas Constituições Salesianas, com singular e profunda sabedoria, afirma-se que “o Espírito Santo suscitou, com a intervenção materna de Maria, São João Bosco. Formou nele o coração de pai e mestre, capaz de dedicação total”. Por isso, nesta última edição do ano, abordaremos o acompanhamento salesiano a partir daquela que é considerada o testamento pedagógico de Dom Bosco e que revela todo o seu coração de pai: a famosa “Carta de Roma”. Nela, Dom Bosco insiste que os salesianos estejam no meio dos jovens, partilhem sua vida e criem um ambiente de família e alegria, evidenciando um acompanhamento que parte do coração de quem acompanha para tocar o coração de quem é acompanhado.

O contexto da carta
Em 1884, Dom Bosco estava em Roma, tratando de diversos assuntos ligados à Congregação Salesiana, sobretudo a aprovação das Constituições. Durante essa estadia, já bastante debilitado de saúde, hospedou-se na Casa Geral, junto à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, que ainda estava em construção. Ali, viveu um momento profundamente espiritual: na noite de 9 para 10 de maio, teve o sonho que inspirou a escrita da carta. Como estava muito doente e cansado, Dom Bosco ditou a carta, que foi anotada por um secretário (quase todos os estudiosos concordam que foi o padre Giovanni Battista Lemoyne).

Enviada a Turim, a Carta chegou ao Oratório de Valdocco, à época dirigido pelo padre Paolo Albera, futuro Reitor-Mor. Ela foi lida publicamente aos salesianos pelo padre Miguel Rua e provocou um forte impacto, pois evidenciava o distanciamento entre salesianos e jovens. Miguel Rua era o vigário de Dom Bosco e, na prática, quem mais organizava e coordenava a vida da Congregação. Padre Rua reforçou a necessidade dos salesianos estarem mais presentes no pátio, no recreio e na vida cotidiana dos meninos e incentivou os salesianos a viverem o espírito de família - familiaridade, confiança, proximidade. Com o tempo, a carta foi traduzida para diversos idiomas, comentada, adaptada e guardada como referência pastoral para toda a Família Salesiana.

O idioma
“Car ij mè fieuj”. Com estas palavras Dom Bosco inicia a carta, ao se dirigir aos jovens do Oratório de Valdocco. Trata-se do piemontês, dialeto regional do Piemonte, norte da Itália e terra natal de Dom Bosco. Em italiano seria “Cari miei figli” e em português, “Caros filhos meus”. De fato, a Carta de Roma que lemos hoje em português não é uma tradução literal do texto que Dom Bosco narrou em piemontês, mas de uma versão já em italiano e adaptada pastoralmente. Além disso, Dom Bosco a escreveu em piemontês popular, cheio de expressões regionais, como por exemplo, o próprio início da carta, que expressa uma proximidade muito maior, quase um “meus filhotes queridos”, do que o mais formal “Cari miei figli”. Ou seja, já não se traduz a voz íntima de Dom Bosco, mas uma versão mais polida; sem dúvida necessária para uma adaptação pastoral e pedagógica da carta. Mesmo assim, os salesianos que divulgaram a carta procuraram sempre enfatizar os pontos espirituais: educação como coisa do coração; clima de família; amor visível à juventude.

“O acompanhamento salesiano parte do coração de quem acompanha para tocar o coração de quem é acompanhado.”

As entrelinhas da carta
“Meus queridíssimos filhos em Jesus Cristo”: MEUS: adjetivo possessivo; determina o substantivo filhos. Indica pertença e posse. QUERIDÍSSIMOS: particípio do verbo querer. Como adjetivo em superlativo, também se refere ao substantivo filhos. Indica amor, estima, afeto. FILHOS: expressa o tom afetivo–familiar no qual Dom Bosco declara abertamente a sua paternidade. EM: preposição; indica o “lugar” onde se realiza o que se expressa. JESUS CRISTO: substantivo próprio; nome de pessoa; aquele que dá sentido às palavras anteriores. Jesus é o lugar e a forma de vínculo em que se exerce a paternidade de Dom Bosco para os jovens. Logo na primeira frase da Carta, Dom Bosco, manifesta todo o seu mundo interior.

“Perto ou longe, eu penso sempre em vocês”: PERTO OU LONGE: noção de espaço. PENSO SEMPRE: noção de tempo. A frase representa uma declaração de amor absoluta e radical de Dom Bosco para com os seus jovens: não há distância nem tempo que o possa afastar ou distrair. Pensar se traduz, para Dom Bosco, em preocupar-se, amar, estar ciente.

“Este pensamento e este desejo me fizeram escrever-lhes esta carta”: ESTE PENSAMENTO e ESTA CARTA: expressam o quanto a mente e o coração de Dom Bosco estão unificados.

A Carta de Roma se tornou uma referência para a formação salesiana e uma espécie de bússola que guia a missão de toda pessoa que acompanha as juventudes em sua jornada de vida. De tudo o que Dom Bosco escreveu, ousamos registrar que o coração da Carta de Roma pode ser representado nas seguintes recordações: a alegria de Valdocco; a educação como coisa do coração; o amor aos jovens, vivido de modo concreto e visível. Pois, como recordou certa vez o padre Pascual Chávez Villanueva: “precisamos de salesianos preparados e prontos para trabalhar com a mente, o coração e as mãos de Dom Bosco na Igreja e na sociedade, e que acompanhem os jovens no mundo do trabalho, no universo digital, na defesa da criação etc. Tudo isso se torna uma referência às nossas origens. A Carta de Roma é o ‘evangelho de Dom Bosco’, respira a atmosfera dos inícios, que continuam ‘normativos’ e não simplesmente ‘anedóticos’, e convida à conversão espiritual (a Deus), pastoral (aos jovens) e estrutural, tornando nossas presenças mais evangelizadoras para levar os jovens a Cristo e à Igreja”.

Propostas para reflexão
• Como me sinto amado por Dom Bosco?
• Como posso chegar a tocar o coração das juventudes?
• Como a Carta de Roma me ajuda a ser um/a melhor acompanhante das juventudes?

Texto elaborado a partir de anotações pessoais e material de apoio do curso “Escola Salesiana de Acompanhamento Integral”, realizado em novembro de 2024, na cidade de Quito, Equador.

Leia AQUÍ a íntegra, em portugués, da Carta de Roma de Dom Bosco, datada de 10 de maio de 1884.

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