Um dos grandes desafios da atualidade é a construção da paz. Temos duas grandes guerras em andamento, uma na Ucrânia e outra em Israel/Palestina e, além delas, há inúmeros outros conflitos em andamento no mundo.
Para além desses grandes conflitos, vivemos uma atmosfera permeada pela intolerância, na qual se normaliza a rejeição do que pensa diferente de mim, na qual vemos ressurgir uma série de preconceitos que se estendem a aspectos raciais, sociais, culturais, religiosos, políticos e ideológicos.
Como cristãos, que vivemos o mandamento do amor e assumimos uma fraternidade universal proveniente da paternidade divina, é urgente que nos empenhemos na construção de uma sólida amizade social, na qual a cultura da paz prevaleça e se fortifique em nossas comunidades.
A construção da cultura da paz, da amizade social e da não violência pode ser pensada em diversos níveis. Um dos mais importantes e sobre o qual todos podemos agir é o nível da linguagem. A seguir serão apresentados três aspectos da linguagem que podem colaborar com essa mudança de mentalidade e de atitudes nos âmbitos pessoal e comunitário.
Romper com o paradigma do “inimigo”
Em um contexto de forte polarização otimizado pelas redes sociais que criam bolhas de relações, é importante tomar consciência de que aquele que pensa diferente de mim não é meu inimigo, é apenas uma pessoa, filha amada de Deus tanto quanto eu, que tem uma visão diferente do mundo.
A linguagem que joga o “eu” contra o “outro” ou o “nós” contra o “eles” disseminada por uma cultura da competição, na qual vence o mais forte, é fonte de discórdia e divisão. Essa mentalidade expressa na linguagem do “nós X eles” ganha forte aderência nas redes sociais, pois ali aqueles que são os “meus antagonistas” podem ser simplesmente cancelados.
Mas, na vida concreta e especialmente para o cristão, essa cultura do cancelamento é sinal e expressão de morte e precisa ser superada pela acolhida e pelo respeito ao próximo. Para tanto, é necessário que a nossa linguagem e os nossos discursos deixem de ressaltar os defeitos, os erros, os julgamentos pessoais ou grupais em relação aos que pensam de forma diferente. Palavras e expressões violentas alimentam o ódio e causam divisão nas famílias, comunidades, empresas, agrupamentos e instituições.
Reconhecer os próprios limites
Na cultura que tem como base o individualismo e o sucesso pessoal em detrimento dos outros, é forte a tendência da egolatria, em que “eu” sou melhor, “eu” estou correto, “eu” tenho razão e a “minha” opinião é a que conta. Nessa perspectiva, a pessoa se apoia em todos os recursos para fundamentar os seus pontos de vista e as suas atitudes, mesmo que tenha que recorrer a notícias falsas ou a argumentos sem fundamento.
Diante disso, a sabedoria cristã traz consigo a experiência da revisão de consciência, o reconhecimento de que toda pessoa é pecadora, possui limites e erra em pensamentos, vontade e ações. Como o mundo seria melhor se cada um fosse capaz de reconhecer que não é o “dono da verdade”, que seus julgamentos podem não estar conformes à vontade de Deus e o bem da comunidade!
A retomada do exercício diário da revisão de consciência e a percepção de que eu não posso ser o parâmetro para julgar as ações dos outros é fundamental para que, em nossos discursos, evitemos menosprezar e condenar os que pensam e agem de forma diferente.
A gentileza é sempre atual
Se a “palavra” pode ser fonte de salvação e vida, pode ser também fonte de condenação e morte. “A boca fala da abundância do coração” (Mt 12, 34), portanto, de um coração que cultiva amor, bondade, acolhida e respeito só vão sair palavras construtivas, que expressam gentileza e amabilidade.
Todo cristão é chamado a viver a radicalidade do amor e o amor não abre espaço para qualquer palavra que ofenda, que menospreze ou diminua o “meu irmão”. Isso não significa aceitar ou compactuar com o que é contrário ao bom e ao que é conforme a vontade de Deus; porém, ao condenar um erro, não podemos condenar, julgar, ou, pior, ofender a pessoa. O mundo de hoje precisa mais de ternura, de gentileza e de pessoas que ressaltem o bom e o belo para curar as feridas causadas pelo ódio e pela amargura que se espalham em nossas comunidades. Precisamos alimentar o espírito e a mente de coisas boas para podermos falar e agir com gentileza e bondade.
Que São João Bosco e Santa Maria Domingas Mazzarello, dois santos que viveram a radicalidade do amor sintetizada na prática salesiana da “amorevolezza”, nos auxiliem a também vivermos no nosso cotidiano o amor e a comunhão expressos em nossa linguagem!