No dia 15 de outubro se comemora, no Brasil, o Dia dos Professores. Como forma de homenagear essas pessoas especiais e necessárias para a realização da missão salesiana, nesta edição propomos a reflexão sobre o acompanhamento integral salesiano a partir do exemplo de dois professores que se encontraram com João Bosco ainda na sua infância e adolescência, mas que o influenciaram por toda a vida. Ambos eram padres e contribuíram para que Dom Bosco fizesse a sua síntese missionária no “educar evangelizando e evangelizar educando”.
Dom Lacqua (1764-1847)
Dom José Antônio Lacqua foi o primeiro acompanhante que Joãozinho Bosco teve fora do ambiente familiar. Nasceu em Montabone em 18 de janeiro de 1764 e faleceu em Castelletto Merli em 3 de janeiro de 1847, aos 83 anos. Conheceu João Bosco em 1824, quando este começou a frequentar a escola de Capriglio. Em pouco tempo, Dom Lacqua conseguiu tocar a vida de Dom Bosco, deixando uma marca indelével. A atenção que soube dar ao menino João e o compromisso com a sua formação intelectual e cristã serão elementos que Dom Bosco valorizará e levará em conta nas suas ações educativas e pastorais posteriormente, apontando-os como elementos a serem replicados em seu sistema educativo.
Nesta experiência de acompanhamento vivida por Dom Bosco podem ser identificados pelo menos dois elementos fundamentais que marcaram a sua vida: 1) o encontro com um homem adulto significativo em quem certamente projetou seu “desejo de um pai”. Isto favoreceu a sua autoestima, a sua segurança e a consciência da sua identidade; 2) o ingresso no mundo da leitura e escrita fluentes. Para João Bosco, com grandes capacidades intelectuais e muita vontade de aprender, Dom Lacqua foi o primeiro a favorecer essas inclinações naquele que será “o grande mestre dos jovens”.
Dom Calosso (1760-1830)
O encontro entre Joãozinho Bosco e Dom Calosso é um verdadeiro ícone da pedagogia salesiana. Embora Dom Bosco situe esse momento no ano de 1826, sabe-se que se refere ao Jubileu convocado por Pio VIII, eleito Papa em 31 de março de 1829. Independentemente da data, o mais importante é o diálogo que aconteceu entre eles, revelando elementos preciosos para o acompanhamento salesiano.
OLHAR: “Não tirou nunca os olhos de mim”. Os olhos de Dom Calosso e a direção do seu olhar são as primeiras coisas que Joãozinho recordará deste encontro.
INICIATIVA: “Vendo um menino baixinho, de cabeça descoberta e cabelos crespos e ásperos, que caminhava silenciosamente entre os outros, ele me encarou e começou a falar comigo”. Aí reside um dos valores mais importantes na tarefa de acompanhar: como adultos, tomar a iniciativa, porque para o jovem nem sempre é fácil. Aproximar-se, quebrar o silêncio, fazer perguntas que naquela circunstância provoquem abertura e diálogo com o jovem.
AMIZADE: Até o momento deste encontro, Joãozinho ainda não tem uma experiência real de amizade. Será a partir de Dom Calosso que ele saberá o que é ter um amigo, alguém que transcende a mera relação de proximidade e sabe tocar a alma do outro. Esta mesma relação de amizade é o que Dom Bosco oferecerá aos seus meninos de Valdocco.
PERGUNTAS E ESCUTA ATENTA: “De onde vens?”; “Você também estava na missão?”; “Continuando se pôs a perguntar-me”. As perguntas são mais significativas do que os discursos, pois ajudam o jovem a “narrar-se”, a colocar palavras em sua vida. “Ele me deixou falar por mais de meia hora no meio da multidão”. O peso da escuta salesiana está no adjetivo “atenta”, fundamental para que o jovem “se sinta” acolhido e respeitado nos seus tempos e jeito de ser.
Presença significativa
Esse relacionamento de amizade e acompanhamento durou cerca de um ano, pois Dom Calosso faleceu no dia 21 de novembro de 1830. “Depois de dois dias de agonia, aquele santo sacerdote entregou a sua alma nas mãos do Criador. Com ele todas as minhas esperanças morreram”. É possível definir este fato como a segunda orfandade de Joãozinho, vivida com muito mais consciência e, portanto, com verdadeira e profunda dor, pois não só morreram todas as suas esperanças, mas também ele quase morreu. Embora seja uma experiência muito dolorosa para João, com ela aprenderá a confiar apenas na Divina Providência, que diante dos graves problemas da vida sabe vir em socorro com respostas que só podem vir do próprio Deus. Trata-se de aprender a prescindir da segurança humana para confiar apenas em Deus, que nunca abandona quem ama, mesmo quando humanamente não o podemos ver nem sentir com essa certeza.
A forma como Dom Lacqua e Dom Calosso marcaram a vida de Dom Bosco demonstra que o acompanhamento integral salesiano é muito mais sobre presença significativa do que sobre presença física; muito mais sobre a intensidade das relações do que sobre o tempo de duração. Sabe-se que, para além da convivência específica na infância, Dom Bosco manterá uma relação cordial com Dom Lacqua praticamente até a sua morte, em janeiro de 1847. A relação com Dom Calosso, por sua vez, embora curta na dimensão do tempo, é um convite a aprofundar a dimensão paterna do carisma salesiano.
Propostas para reflexão
É evidente que Dom Bosco idealiza a imagem de Calosso como acompanhante espiritual.
● Percebe-se que em Dom Calosso há muito mais que um “diretor espiritual”, talvez o pai que Joãozinho havia perdido e que procurou durante toda a vida? Ou é o desejo-sonho-necessidade de todo menino abandonado encontrar um adulto assim?
● Numa perspectiva salesiana, quais são as formas de abandono juvenil presentes hoje na sociedade?
Texto elaborado a partir de anotações pessoais e material de apoio do curso “Escola Salesiana de Acompanhamento Integral”, realizado em novembro de 2024, na cidade de Quito, Equador.