As culturas urbanas foram muito bem trabalhadas tanto na Exortação Evangelii Gaudium (EG), n. 71s, como também na Exortação Christus Vivit (CV), n. 203s. São chaves de leitura que Papa Francisco oferece “a partir de um olhar contemplativo da cidade” (EG, 71), pois a cidade é multicultural com suas tramas e vozes; seus gritos, desejos e silêncios.
Juventudes e cenários complexos
As juventudes estão imersas em um contexto sempre mais desafiador; saber suscitar, acompanhar, discernir e cultivar as vocações é uma arte que requer não apenas respostas imediatas e estratégias de animação, mas, também, diálogo sinodal a partir deles e delas, questionando o que pensam e desejam com as perguntas existenciais de fundo: conheço a mim mesmo? O que alegra o meu coração? Quais são meus pontos fortes e fracos? Como posso servir melhor e ser mais útil ao mundo e à Igreja? Qual é o meu lugar nesta terra? O que posso oferecer à sociedade? Tenho habilidades necessárias para prestar serviços? Posso adquiri-las e desenvolvê-las? (CV, 285). Tudo isso dá elementos para o Projeto Pessoal de Vida.
Antes de tudo, creio que é necessário começar pela proposta de Pastoral Juvenil que o cenário requer em nossos dias, porque, como bem dizia o Papa Francisco, “a Pastoral Juvenil sofreu o embate das mudanças sociais e culturais” (CV, 202), sobretudo no contexto urbano.
Pastoral Juvenil diversificada
Há uma proliferação de movimentos e propostas de acompanhamento juvenis, e isso é bom; porém, requer uma ação conjunta e a consciência de que a comunidade é também chamada a ser sujeito da ação evangelizadora dos jovens. Isso requer, segundo o Papa Francisco, uma flexibilidade que saiba se mover em momentos que proporcionem eventos de formação, como também a partilha da vida, do celebrar, cantar, ouvir testemunhos e experimentar o encontro comunitário (CV, 204).
Talvez aqui precisemos do devido equilíbrio: eventos e formação, processos e ações, projectualidade e estratégias. Tarefas que exigem novas formas de abordagem, sem proselitismos. Numa atitude sinodal que agrega homens e mulheres, consagrados e consagradas, grupos e associações, na riqueza do Espírito Santo e na variedade de formas, na qual ninguém é colocado à margem. Eis a arte sinodal de saber atrair.
No Sínodo dos Jovens duas atitudes se destacaram nesta ação juvenil renovada: busca e crescimento (CV, 209). A busca é saber confiar e permitir o protagonismo dos jovens com festivais, competições esportivas, redes sociais, canções que provoquem o impacto da convocação com a linguagem querigmática que fale aos jovens; o crescimento é o aprofundamento do querigma, ou seja, do encontro com Jesus, porém, sem os grandes conceitos morais e teológicos que cansam e assustam, mas com o crescimento no amor fraterno, na vida comunitária e no serviço (CV, 212-213).
Francisco recorda que um certo moralismo pesado com a proibição e o julgamento não atrai os jovens, mas afasta. Aqui também se requer equilíbrio entre busca e crescimento; um processo dinâmico de colocar em ordem o Projeto Pessoal de Vida com os jovens.
É necessária uma Pastoral Juvenil, portanto, que crie casa, ambiente de ampla acolhida. Exemplo disto podem ser nossos ambientes de Oratório e Centros Juvenis, que favorecem o encontro, a amizade, a recreação, o esporte, a experiência de oração; enfim, educação na fé e a partir da alegria da fé (CV, 218). Mais uma vez é preciso equilíbrio porque temos muitas juventudes (CV, 68): há jovens que sentem o desejo de Deus, alguns o sonho da fraternidade, outros querem desenvolver capacidades de serviço, em alguns a sensibilidade artística, em outros o desejo de comunicação, outros querem ser diferentes dos demais (CV, 85).
Ainda temos o ambiente digital e a inteligência artificial que atraem as juventudes para experiências sempre mais inovadoras, sobretudo nos centros urbanos (CV, 86). E, aqui, surgem as lacunas, os limites, a solidão, a manipulação, o isolamento, a dificuldade do contato presencial, os interesses econômicos, o distanciamento da família, dos grupos, a ausência de raízes (CV, 88-90).
Saber escutar a voz do vento
E como fica o apelo vocacional à vida religiosa consagrada, ao ministério ordenado, ao missionário? Há ainda espaço para isso num contexto zapping? Há espaço para Deus e o chamado no âmbito multicultural? (EG, 74). Aqui é necessário passar das perguntas de prestígio social, de fama e sucesso, para as perguntas existenciais.
Outro dia um jovem de 27 anos entrou em contato comigo e perguntou: “Eu, com 27 anos, ainda poderia pensar em vocação religiosa? Sinto um vazio enorme. Já experimentei de quase tudo, porém, parece que nada tem sentido. Sinto-me sozinho, angustiado. Sinto falta de um projeto de vida”. Esse jovem foi meu aluno, o conheço bem. Dialogamos um tempão e, depois, ele me disse: “Só em conversar com o senhor eu já me sinto melhor, menos sozinho”.
Isso me fez lembrar um “boa noite” de Dom Bosco aos noviços, no final de dezembro de 1875. Ele disse, comentando a parábola da pérola preciosa: “A pérola, a joia mais preciosa que um jovem possa procurar, é a própria vocação. Trata-se de procurá-la com solicitude, e outras virão juntas; ela não pode ficar sozinha, mas ela conduz as outras virtudes atrás de si, como diz a Escritura: ‘todos os bens me vieram junto com ela’ (Sb 7,11).” (MB, vol. XI, 2022, p. 398).
Vocação, portanto, é descobrir que Jesus é um amigo, a pérola preciosa (CV, 287), e que os mediadores dessa amizade somos nós que estamos com os jovens. O dom da vocação é presente (CV, 289), ação do Espírito Santo. Nunca é um dever, mas a valorização do que a pessoa é, então, requer escuta, acompanhamento, oração. Requer tempo de dedicação ao outro (CV, 292). Ajudar a discernir o apelo de Deus, saber entender a pessoa que questiona, saber escutar e compreender; tudo isso envolve o discernimento ativo, pois é neste processo que nascem as inquietações mais profundas da pessoa.
Teremos vocações urbanas? Com certeza, pois Deus continua chamando como chamou Abraão, Moisés, Maria, Paulo, João, André, Mateus, São João Bosco, Santa Maria Mazzarello, São Carlo Acutis e tantos e tantas. Todos foram tocados pela voz interior, “tenho sede”, e souberam responder no cenário do seu próprio tempo, com as mediações que tiveram.
No entanto, faz-se urgente uma Pastoral Juvenil renovada e sinodal. Grupos fechados, guetos vocacionais, propostas de interesses pessoais, ausência de comunidade cristã de vivência e experiência de fé e perda das raízes culturais não abrem para a busca e crescimento, mas criam caminhos subjetivos, baseados na busca de sucesso, fama, vida cômoda e mudança de status social, com a fuga do que é fundamental: o seguimento de Jesus Cristo.
No contexto urbano, os atrativos são muitos e as distrações, enormes. Apesar disso, acredito que as perspectivas aqui expostas podem inquietar, mas nunca permitir a perda da esperança de que é possível ainda convocar, ajudar a buscar, a crescer e a dizer: “Sim, aqui estou!”.